MPF obtém liminar que garante acesso a aldeia Guarani isolada há mais de 3 anos em Ubatuba

Enquanto aguarda reconstrução de ponte, comunidade Yacã Porã poderá utilizar passagem forçada em área vizinha em posse de particular. Aldeia fica no sertão de Itamambuca e lá vivem 60 guaranis

 

Após um pedido do Ministério Público Federal (MPF), a Justiça Federal determinou a abertura de passagem forçada em uma propriedade particular para garantir a uma comunidade da etnia M”Bya Guarani de Ubatuba (SP) o acesso à rodovia BR-101. A demanda do MPF foi no parecer enviado em ação da Defensoria Pública da União (DPU) para romper o isolamento da aldeia Yacã Porã, localizada na zona rural do município paulista. Sem ligação com áreas externas, em razão da destruição de uma ponte, há mais de três anos, os indígenas estão desprovidos de serviços públicos e correm riscos devido às fortes chuvas que vêm castigando a região.

A passagem forçada deverá garantir o acesso ao grupo até que uma ponte seja concluída sobre o Rio Itamambuca. Único caminho para entrada e saída na terra indígena, a via elevada está em reconstrução após ter desabado, em virtude das cheias do rio, em 2019. As obras realizadas pelo município de Ubatuba, como fruto de articulação feita pelo MPF, já estão em fase adiantada, mas tiveram de ser interrompidas depois dos temporais que atingiram o litoral norte de São Paulo no mês passado.

 

Acessos

 

A aldeia Yacã Porã fica no sertão de Itamambuca e o acesso principal é feito pelo KM 29 da BR 101, a aproximadamente 2 km pela estrada municipal da Kazanga. O acesso dos indígenas à BR 101 se dava por meio de ponte de madeira que foi
destruída com as chuvas. Quando da temporada de chuvas, segundo consta, o rio se eleva muito, isolando completamente os indígenas de qualquer atalho para, por exemplo, receberem socorro médico e outras emergências. A inicial cita, ainda, uma ocasião em que uma criança doente não pôde ser levada à Ubatuba para ser medicada em razão da impossibilidade de passagem.

A segunda via de acesso, dada como solução alternativa, em caso de emergência, seria uma picada pelo caminho de cerca de 1.800 metros, que leva à BR 101 até o trevo de acesso do conhecido “Morro do Tiagão”, uma vila existente nas vizinhanças, à beira da rodovia. Esse caminho passa por um sítio atualmente em posse de Augusto Camargo Leite, que teria levantado uma cerca há 200 metros da aldeia citada, impedindo a passagem dos indígenas. A liminar obtida pelo MPF autoriza os guaranis a utilizarem essa passagem até a conclusão da ponte em construção pela prefeitura.

 

Prefeitura constrói nova ponte sobre o rio Itamambuca que dá acesso até a aldeia

No parecer apresentado à Justiça, o MPF destacou a gravidade da situação e a urgência de uma solução, ainda que provisória. Isolada, a aldeia Yacã Porã está sem atendimento de serviços básicos de saúde, entrega de água e alimentos e contato com servidores de órgãos que acompanham os indígenas e prestam auxílio à comunidade, como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o próprio Ministério Público e a Justiça Federal.

“A necessidade de garantir a via de acesso requerida na presente ação vai muito além de ‘mera comodidade’ para que os indígenas possam continuar exercendo suas tarefas particulares, sociais e/ou econômicas. Trata-se de verdadeiro direito constitucional de acesso ao seu território e às políticas públicas que nele deveriam estar sendo desenvolvidas, e que deixam de ser adequadamente executadas dado o isolamento físico forçado da aldeia”, ressaltou a procuradora da República Maria Rezende Capucci, autora da manifestação.

Na liminar, a 1ª Vara Federal de Caraguatatuba, responsável pela área, acolheu os argumentos do MPF e frisou o predomínio dos direitos indígenas ao ordenar a abertura do acesso temporário em uma área privada. A Justiça entendeu que o MPF trouxe fatos novos ao caso, que justificam a concessão da liminar, como o estágio avançado da construção de nova ponte pela prefeitura e os riscos à população indígena decorrentes das fortes chuvas na região.

“A propriedade particular deve cumprir sua função social. A passagem forçada provisória, em reverência ao interesse público sobre o privado e à supremacia do interesse público, na defesa da população indígena, deriva da prevalência do direito à vida e saúde destas populações, frente à indisponibilidade da propriedade”, diz trecho da decisão.

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