Em dia histórico na Unicamp, Racionais MC’s recebem título de Doutor Honoris Causa

Estudantes, professores, fãs e admiradores lotaram os três auditórios do Centro de Convenções

Jornal da Unicamp/

Num discurso curto, Mano Brown emocionou estudantes, professores, fãs e admiradores que lotaram os três auditórios do Centro de Convenções, na tarde da última quinta-feira, dia 6, para a cerimônia de entrega do título de Doutor Honoris Causa concedido pela Unicamp ao grupo Racionais MC’s.

“Fui um jovem afoito. Estudei muito pouco. Não tive tempo para estudar. Era uma questão de matar fome”, contou Mano Brown logo depois de receber o diploma. “E quando me aventurei a estudar, me senti um excluído na escola. Não me adaptava. Não aprendia, não tinha amigos. Então, hoje, recebendo esse título de doutor, o que eu posso fazer é agradecer, do fundo do meu coração, em nome da minha mãezinha [Dona Ana] e de meus amigos, Edi-Rock, KL Jay e Ice Bleu”, disse ele.

Formado em 1988, o grupo Racionais surgiu num contexto de precariedade e violência, mas acabou se tornando o grupo de rap mais influente da música brasileira. No documentário “Racionais: das ruas de São Paulo pro mundo” (2022), dirigido por Juliana Vicente, Mano Brown conta ter nascido num ambiente hostil, em que convivia com cadáveres nas ruas. No documentário, conta que ele e os amigos saíam de suas comunidades para ir “onde a luz estava acesa”, ou seja, para o centro da cidade.

“Quero, aqui, jurar lealdade a vocês. Na verdade, quero renovar os votos de lealdade”, disse ele, referindo-se à causa que move o grupo, que é o combate à desigualdade, à discriminação, ao preconceito. “A causa é maior que nós. Depois de nós, virão outros. A gente foi só a faísca na época das cavernas. Os jovens são o futuro. Eles estão fazendo a revolução. Uma revolução online”, continuou o artista.

Inédita por ser entregue a um grupo, a nomeação é um reconhecimento do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (IFCH) da importância social, intelectual, histórica e estética dos integrantes do grupo – Mano Brown, lce Blue, Edi Rock e KL Jay. A proposta da homenagem foi feita pelas professoras Jaqueline Lima Santos e Daniela Vieira dos Santos e pelo professor Omar Ribeiro Thomaz.

A diretora do IFCH, Andreia Galvão, diz que a entrega do título é histórica por vários motivos. Em primeiro lugar, porque homenageia artistas – o que ainda é raro na galeria de laureados da Unicamp com esse título, entre os quais figuram Paulo Freire, Celso Furtado, Dom Paulo Evaristo Arns e Oscar Niemeyer.

De acordo com a professora, é histórico também porque o grupo representa um saber que nasce das periferias do país. “Um saber que, numa sociedade excludente e desigual como a nossa, dificilmente chega à Universidade”, avalia.

Finalmente, porque os músicos são os primeiros intelectuais negros e periféricos a receberem tal honraria, e por a proposta de homenagem ter nascido não apenas da academia, mas ter contado com a participação efetiva do Movimento Estudantil, do Movimento Negro e de servidores do IFCH. Segundo Galvão, os Racionais são “intelectuais públicos”.

“Os racionais MCs são muito mais do que música. São história. São cultura. São educação. São resistência. São reexistência”, disse a professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Nilma Lino Gomes, madrinha dos homenageados. “Racionais MC’s, vocês são um movimento. Um movimento negro, educador”, concluiu.

O reitor da Unicamp, Antonio José de Almeida Meirelles, disse que o Brasil tem um amplo conjunto de desafios pela frente, e um deles é a inclusão. Nesta esfera, a Unicamp conta hoje com a maior política de inclusão e permanência estudantil do país. O reitor garantiu que a Universidade fortalecerá cada vez mais essa política. “Temos, como instituição, um profundo compromisso com a necessidade de mudar o futuro da nossa terra”, disse ele.

No sentido horário, Mano Brown, KL Jay, Ice Blue e Edi Rock: formado em 1988, o grupo surgiu num contexto de precariedade e violência, mas acabou se tornando o grupo de rap mais influente da música brasileira
No sentido horário, Mano Brown, KL Jay, Ice Blue e Edi Rock: formado em 1988, o grupo surgiu num contexto de precariedade e violência, mas acabou se tornando o grupo de rap mais influente da música brasileira

Três auditórios lotados

Desde o começo da tarde, filas se formaram na entrada principal do Centro de Convenções para ver o grupo. Foram abertos os três auditórios do espaço, que, juntos, acomodam 830 pessoas sentadas. Todos foram tomados.

Realizada no auditório 3, a cerimônia foi transmitida ao vivo para os outros dois auditótios e para o telão instalado no lado de fora do Centro.

Muitos dos fãs traziam nas mãos o livro “Sobrevivendo no Inferno” – que reproduz as letras das músicas do emblemático álbum homônimo, de 1997. Esse trabalho rendeu ao grupo os principais prêmios do circuito musical.

Com o livro na mão, a estudante de segundo ano de medicina Sophia França Onoue esperou pacientemente a chegada de Mano Brown em busca de um autógrafo. “Adoro os Racionais. Aprendi com meu pai. Ele gosta muito também”, contou ela, que ganhou um autógrafo.

O estudante de mestrado em Engenharia Elétrica Anderson Alberto Ramos queria entregar uma carta a Mano Brown. Na carta, dizia que, desde os 11 anos, acompanha a carreira do grupo. Ele contou que os Racionais fazem parte de sua formação e lhe serviram de referência durante a adolescência. Convivendo com sequelas de um AVC, Anderson anda e fala com dificuldade, mas aguardou resignado a chegada de Brown para lhe falar sobre sua admiração.

A cerimônia contou também com personalidades conhecidas, como o ex-senador e hoje deputado Eduardo Suplicy. “Acompanho e admiro a obra dos Racionais desde muito tempo. E não poderia deixar de comparecer”, disse ele, sentado na primeira fila do auditório principal.

Além de centenas de fãs, a cerimônia contou com representantes de entidades sociais como a Fundação Brasil de Direitos Humanos, o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos, o movimento Hip Hop Campinas, o Projeto Rapper, o Hip Hop em Movimento, a Comissão Assessora de Diversidade Étnico-racial da Diretoria de Direitos Humanos da Unicamp, a Ação Educativa, Fundação Baobá, o Geledés Instituto da Mulher Negra e o Coletivo Esperança e da Central Única das Favelas (Cufa).

A cerimônia terminou com a apresentação da companhia de teatro Itage, que nasceu em 2019, a partir de um grupo de estudantes da escola estadual Carlos Gomes, em Campinas.

O artista plástico Herbert Otacilio da Silva entregou uma obra em homenagem aos Racionais. Nascido em Mogi Mirim, Herbert  foi formado no Profis – o Programa de Formação Interdisciplinar Superior da Unicamp.

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