Liminar concedida em ação do MPF suspende os efeitos da autorização ambiental, além de estabelecer multa diária de R$ 20 mil
Em ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF), a 1ª Vara Federal de Angra dos Reis (RJ) concedeu liminar para suspender autorização ambiental que liberava obras que alteravam o curso natural no Rio Bracuí, além de estabelecer multa diária de R$ 20 mil, em caso de descumprimento. A autorização havia sido concedida pelo Instituto Municipal do Ambiente de Angra dos Reis (Imaar), órgão vinculado à prefeitura municipal.
Na decisão, a Justiça Federal acatou os argumentos do MPF, considerando “que o prosseguimento das obras poderá acarretar modificações irreversíveis no curso do Rio Bracuí e nas características de suas margens, com impactos também potencialmente irreversíveis nos modos de vida da Comunidade de Remanescentes de Quilombolas de Santa Rita do Bracuí”.
Ao Município de Angra dos Reis, a decisão liminar determinou que se mantenha as obras apenas ao que se refere ao desassoreamento, respeitando a calha natural do rio, tendo em vista o caráter reconhecidamente emergencial dessas ações. O município também deverá solicitar junto ao Instituto Estadual do Ambiente (Inea), no prazo de dez dias, de Autorização Ambiental Comunicada para a continuidade das obras de desassoreamento efetivamente emergenciais.
Inundação – Em dezembro de 2023, fortes chuvas atingiram a região do Rio Bracuí. Segundo informações da Defesa Civil Municipal, foram registrados 250 milímetros de chuva num período de 24 horas. O alto volume pluviométrico, somado ao fato de a maré encontrar-se cheia no momento das chuvas, provocou a inundação do rio, provocando duas mortes e deixando mais de 300 desabrigados.
O volume de água causou um grande impacto no rio, destruindo parte de sua mata ciliar e aumentando consideravelmente o assoreamento. Em janeiro de 2024, mais uma chuva forte atingiu a região, mas em volumes menores que os registrados no mês anterior. Em razão do assoreamento causado pelas chuvas de dezembro de 2023, o Rio Bracuí passou a alagar com mais facilidade, oferecendo riscos à população.
Após as enchentes, o Município de Angra dos Reis celebrou contrato, no valor de R$ 102 milhões, com a empresa Valle Sul Construtora e Mineradora Ltda para execução de obras de desassoreamento e enrocamento ao longo de sete quilômetros desde a foz do rio. As obras iniciaram em março de 2024 e estão, atualmente, em acelerada fase de execução.
Além de limitar as obras ao desassoreamento do rio, o município deve ainda se abster de realizar obras ou qualquer atividade de enrocamento e de alteração do curso do rio Bracuí – considerado o seu curso natural existente em 8 de dezembro de 2023 –, até que seja realizado o devido licenciamento ambiental, com aprovação de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima), além de estudo hidrológico, dentre outros.
Outro ponto da decisão se refere à recuperação da área degradada e à restauração da mata ciliar, além de realização de consulta livre, prévia e informada, nos termos da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da Comunidade de Remanescentes do Quilombo Santa Rita do Bracuí.
Já ao Imaar, a sentença determinou que se abstenha de conceder novas licenças ou autorizações para realização de atividades no Rio Bracuí com fundamento no Convênio nº 09/2023; ao Inea, que se abstenha de autorizar ou licenciar atividades de enrocamento ou retificação de curso d’água no Rio Bracuí, até que seja concluída consulta livre, prévia e informada.
Ação civil pública – No mês passado, o MPF ingressou com ação civil pública, com pedido de liminar, para a imediata suspensão dos efeitos da autorização ambiental que liberou as obras.
Em junho deste ano, o MPF já havia expedido recomendação à Prefeitura de Angra dos Reis para que mantivesse as obras no Rio Bracuí apenas para as atividades de desassoreamento – retirada de sedimentos da água –, sem que houvesse qualquer alteração no curso natural do rio. No entanto, a recomendação não foi acatada.
Na ação, o MPF destacou a necessidade do respeito à consulta prévia, livre e informada da comunidade de Remanescentes de Quilombo de Santa Rita do Bracuí, que vive às margens do rio e está sofrendo com os impactos das obras. O enrocamento restringirá o acesso dos quilombolas ao rio, com o qual possuem relação de vínculo econômico, histórico e cultural.
“É plausível a alegação do MPF de que as intervenções levadas a cabo pelo município ultrapassam meras obras emergenciais voltadas ao desassoreamento do leito do rio e se configuram como pretensa solução técnica definitiva à problemática das enchentes do Rio Bracuí solução técnica essa que, no entanto, não teria sido precedida pelo licenciamento perante o órgão competente e na modalidade correta (sobretudo contemplando EIA/Rima e até mesmo audiência pública), tampouco pelos cabíveis estudos técnicos ou pela exigível consulta prévia, livre e informada preconizada pela Convenção n. 169 da OIT”, diz trecho da liminar.