Ação civil pública promove debate sobre governança socioambiental de proprietários, artistas e produtoras
O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública para responsabilizar proprietários, produtores e artistas pela construção e exploração comercial de um imóvel de luxo erguido de forma irregular na Ponta do Sapê, em Angra dos Reis (RJ). A propriedade, construída sem licença ambiental dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) de Tamoios e em terreno da marinha, foi palco do evento AgroPlay Verão 2, realizado de 11 a 14 de setembro, com a participação de diversos artistas de renome.
Agroplay Verão
O Agroplay Verão foi promovido pelas empresas Agroplay Records, responsável pelo lançamento no streaming dos principais cantores sertanejos da atualidade e AgroPlay Music. As duas empresas fecharam a Ponta do Sapê, em Angra, para gravação de cantores brasileiros e latinos entre eles, Ana Castela, Luan Pereira, Ludmilla, Guilherme & Benuto e os mexicanos Gabito Ballesteros e Tony Aguirre.
Em Angra, o projeto aconteceu entre os dias 11 e 14 de setembro. Foram gravadas 16 canções. Segundo os organizadores, o projeto tem tido um grande sucesso nas redes sociais atingindo a marca de 850 milhões de players nas plataformas digitais. A AgroPlay Music pretende dar sequencia ao projeto devido ao grande sucesso alcançado nas redes sociais. Com menos de um ano, selo já detém mais de 20 músicas no Top 200 do Spotify.
Ação
Segundo o MPF, o objetivo da ação é reparar os danos ambientais causados pela propriedade e pelo evento. A iniciativa também visa promover o debate público sobre governança e responsabilidade socioambiental (ESG) de artistas e produtores, na escolha dos locais para a realização de eventos.
Além de solicitar a demolição das estruturas irregulares e o pagamento de indenização pelos danos causados ao meio ambiente, o Ministério Público Federal pede à Justiça Federal uma liminar para suspender imediatamente a exploração comercial do local, incluindo hospedagem, locação para eventos, gravações e publicidade. Se o pedido for aceito, as plataformas digitais que oferecem esses serviços serão obrigadas a remover os anúncios do imóvel de suas páginas.
O órgão pede, ainda, a suspensão da veiculação do conteúdo produzido durante o evento AgroPlay Verão 2 e a retenção dos cachês recebidos pelas apresentações no local. A intenção é destinar esses valores a projetos de recuperação ambiental. Também requer a condenação dos artistas e produtores para que compartilhem informações sobre a importância do patrimônio ambiental protegido pela APA Tamoios em suas redes sociais.
Governança socioambiental – Para o MPF, tanto a empresa organizadora quanto os músicos que se apresentaram no local devem ser responsabilizados pelo uso comercial irregular do imóvel alugado. Segundo o procurador da República Aldo de Campos Costa, autor da ação, existem diversas maneiras de verificar se a área escolhida para a realização de um evento está em conformidade com as normas ambientais.
“O fácil acesso à informação proporcionado pela internet simplifica as verificações de conformidade dos imóveis disponíveis para locação, o que faz com que artistas e produtores passem a ter responsabilidades crescentes em relação às leis de proteção ambiental”, afirma. Essa abordagem, de acordo com o procurador, está em sintonia com interpretações recentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em matéria de governança e sustentabilidade ambiental.
Costa também lembra que artistas em todo o mundo estão se envolvendo cada vez mais em causas ambientais, como uma banda de rock britânica que, ao retornar aos palcos em 2021, revelou ter consultado especialistas em meio ambiente e passou a adotar medidas como o uso de biocombustíveis para o transporte de equipamentos, veículos elétricos e a geração de energia dos shows a partir de fontes renováveis e biodiesel.
Segundo ele, o respeito ao meio ambiente representa uma obrigação que recai sobre todos. “Isso implica a necessidade de estabelecer uma governança ambiental coletiva e compartilhada, na qual tanto o setor público quanto o privado desempenham papéis fundamentais. Nesse contexto, torna-se essencial envolver os artistas e suas equipes em práticas mais sustentáveis e conscientes”, conclui o procurador.
Prejuízos – O local onde ocorreu o evento Agroplay Verão 2 possui duas residências de alto padrão, uma piscina, estruturas náuticas e escadarias em alvenaria construídas sobre a faixa de areia da praia. O município de Angra dos Reis tem conhecimento dessas irregularidades no imóvel desde pelo menos 2014, o que resultou em várias intimações ao longo dos anos, incluindo o embargo da construção. Porém, conforme o MPF, de lá para cá, o município não tomou nenhuma medida para demolir as edificações e exigir a recuperação da região degradada.
De acordo com o MPF, as construções realizadas na APA de Tamoios, sem a devida licença ambiental e em desacordo com o plano de manejo local, causaram sérios danos ao meio ambiente. Esses danos incluem a destruição da vegetação nativa, prejuízos à fauna e à flora, impermeabilização do solo e impedimento da regeneração natural da mata. Além disso, um laudo pericial datado de 2017 constatou a privatização da praia, restringindo o acesso da população a um bem público e de uso comum.
Em razão dessas irregularidades, a iniciativa visa à demolição de todas as construções realizadas na faixa de areia, tais como a piscina, o muro de arrimo, as escadas em alvenaria e o jardim ornamental. Além disso, todas as edificações situadas a menos de 15 metros da praia devem ser demolidas. O MPF pleiteia, ainda, que os proprietários do imóvel removam as duas construções erguidas sem o devido licenciamento ambiental, bem como as estruturas náuticas que se encontram a menos de 100 metros uma da outra, o que viola o Plano de Manejo da APA de Tamoios.
Como parte das medidas de reparação pelos danos ambientais causados, os proprietários devem elaborar e implementar um Plano de Recuperação da Área Degradada no local, além de pagar uma indenização pelos prejuízos causados à natureza e à sociedade como um todo. Na ação, o MPF também solicita que o município de Angra dos Reis garanta imediatamente o livre acesso da população à praia, que atualmente está bloqueado pela propriedade. Por fim, o município deve retirar ou desfazer qualquer intervenção na areia, sob pena de multa diária.