Desmatamento de vegetação nativa impede regularização de construções, que ocupam área federal sem autorização
O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública para que três imóveis à beira da Praia da Lagoinha, em Ubatuba (SP), sejam demolidos e seus possuidores promovam a recuperação ambiental da área. Além dos atuais ocupantes – três pessoas físicas e uma empresa –, também são rés na ação a Companhia Ambiental de São Paulo (Cetesb), a Prefeitura de Ubatuba e a União. Ilegalidades ambientais e patrimoniais impedem que os imóveis sejam regularizados, o que justifica o pedido do MPF por sua remoção.
As casas fazem parte do condomínio Salga (Sociedade Amigos da Lagoinha). As investigações apontam que as construções foram feitas a partir da retirada irregular da vegetação nativa de restinga, legalmente classificada como área de preservação permanente. Além disso, os possuidores não têm autorização para ocupar a área, situada em terrenos de marinha. Essa faixa de domínio federal só pode ser utilizada mediante aval da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) e pagamento de taxas anuais.
O MPF quer que a Justiça Federal proíba imediatamente novas intervenções no local até que a ação seja julgada em definitivo. O Ministério Público pretende que, ao final do processo, a demolição dos imóveis e a recuperação ambiental dos terrenos sejam impostas aos atuais possuidores e cumpridas inteiramente às custas deles, sob pena de multa diária de R$ 10 mil. A condenação deve se estender também à Cetesb, à Prefeitura de Ubatuba e à União, para que cumpram as determinações caso os demais réus não o façam.
Omissão – A omissão da Cetesb e da administração municipal foi determinante para a ocorrência dos danos ambientais que impedem a regularização dos imóveis. A Prefeitura deixou de fiscalizar as intervenções realizadas nos terrenos e só notificou os atuais ocupantes após diversas requisições do MPF para isso. Ao mesmo tempo, o órgão ambiental estadual cometeu equívocos e contradições nos processos de licenciamento dos imóveis, o que acabou viabilizando as construções apesar de se situarem em uma área de preservação permanente.
O responsável pelo desmatamento dos terrenos foi seu antigo possuidor, de quem os atuais ocupantes adquiriram a área. Os pedidos administrativos de supressão da vegetação só chegaram à Cetesb quando os danos já estavam consumados. Ainda assim, o órgão inicialmente indeferiu as solicitações por reconhecer a existência original da restinga no local. Após recursos dos interessados contra a decisão, no entanto, a Cetesb voltou atrás e, sem fundamentação técnica, arquivou os procedimentos sob alegação de que não havia vegetação nativa nos terrenos. Na prática, a conclusão significou a legitimação, pelo órgão, de que os pedidos para remoção da restinga não seriam necessários.
“Embora a Cetesb tenha inicialmente afirmado ser área de preservação permanente, houve uma retratação posterior que determinou uma aparente chancela do dano ambiental, ao caracterizar erroneamente a área como se inexistisse vegetação nativa, regularizando, assim, a supressão criminosa de vegetação de restinga”, destacou a procuradora da República Walquiria Imamura Picoli, autora da ação do MPF.
As restingas compõem a vegetação de zona costeira e se estendem por faixas de 300 metros a partir da linha de maré mais alta. Além de possibilitar a preservação de manguezais, o ecossistema evita a erosão de áreas litorâneas ao atenuar os efeitos de fenômenos como ressacas e eventos vinculados às mudanças climáticas. A restinga constitui também um importante corredor ecológico para diversas espécies da fauna e está associada à manutenção de recursos hídricos e à fixação de dunas.