Brasil pede desculpas a comunidade nipônica por perseguir e prender imigrantes japoneses na Ilha Anchieta, em Ubatuba, durante a 2ª Guerra

171 japoneses foram levados para um presídio de presos políticos na Ilha Anchieta, em Ubatuba, litoral norte de São Paulo, onde sofreram maus-tratos e tortura

 

A Comissão de Anistia realizou ontem,  dia 25 de julho, uma sessão de reparação coletiva na qual reconheceu violações aos japoneses que estiveram presos na  Ilha Anchieta, em  Ubatuba, no Litoral Norte Paulista,  entre 1946 e 1948. O pedido de indenização foi feito por uma associação de descendentes de cerca de 172 presos políticos japoneses alojados no presídio de Ilha Anchieta.

A Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania(Foto acima) aprovou um pedido de desculpas oficial à comunidade nipônica no Brasil, reconhecendo a perseguição sofrida pelos imigrantes japoneses durante a década de 1940. A medida visa reparar injustiças históricas cometidas desde a época da Segunda Guerra Mundial. A informação foi publicada pelo portal Brasil 247.

Em declaração oficial, Eneá de Stutz e Almeida, presidente da Comissão de Anistia, expressou o pedido de desculpas do Estado brasileiro: “Quero pedir desculpas em nome do Estado brasileiro pela perseguição que os antepassados dos senhores e das senhoras sofreram, pelas barbaridades, crueldades, torturas, preconceito, ignorância, xenofobia e racismo.”

Para o ministro das Relações Institucionais Alexandre Padilha, a decisão reconhece o papel da comunidade japonesa para a construção do Brasil como é hoje. “O veredito dessas comissões tem um papel fundamental de dizer que nunca mais pode se repetir — no Brasil e no mundo — os episódios que são julgados aqui.”

O assunto ganhou destaque em 2013, em sessão da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva que abordou os casos de tortura e morte de imigrantes japoneses no Brasil entre os anos de 1946-1947. A reunião teve apoio da Comissão Nacional da Verdade, que estava representada por Rosa Cardoso.

O então presidente Adriano Diogo (PT) afirmou que o povo brasileiro deve desculpas à colônia japonesa, pois por racismo e intolerância, 171 pessoas da comunidade ficaram presas no presídio da  Ilha Anchieta, no litoral norte do Estado. A grande maioria dessas pessoas eram inocentes, sendo mandados para lá, por exemplo, por se recusarem a pisar a bandeira japonesa.

A audiência foi proposta por Mario Jun Okuhara, que falou da pesquisa de 12 anos que resultou no documentário Yami no Ichinichi – O crime que abalou a colônia japonesa no Brasil. Okuhara afirmou que é importante o reconhecimento das graves violações dos direitos humanos, pois a vergonha (um traço cultural da colônia nipo-brasileira) fez com que livros oficiais escondessem a intolerância e a violência que os imigrantes japoneses sofreram.

Após o fim da 2ª Guerra Mundial, 80% da colônia no interior do Estado de São Paulo, isolada, acreditava que o Japão havia vencido. Isso gerou dois movimentos na colônia, que levaram à discórdia.

A história de três pessoas foi contada à comissão. Uma delas foi a de Tokuichi Hidaka, que narrou os fatos que o levaram a ser, em junho de 1946, um dos autores do assassinato do coronel Jinsaku Wakiyama, líder da comunidade japonesa no Brasil. Hidaka contou ainda como era a vida no  presídio Anchieta, onde ficou dois dos quinze anos da pena que cumpriu pelo homicídio de Wakiyama.

Em depoimento em vídeo, Akira Yamaguchi relembrou o que seu pai, Fusatoshi, contou sobre o tempo em que esteve no presídio Anchieta. A senhora Shizuko Kambara relembrou a prisão de Fukuo Ikeda, morto em 1946, vítima de tortura policial, e falou do clima tenso em que vivia a colônia no interior de São Paulo.

Uma das histórias que compõem o requerimento de reparação coletiva é a de Fukuo Ikeda, que tinha 20 anos quando foi preso. “Não fez nada. Era inocente. Prenderam ele, depois, levaram ele para a Ilha de Anchieta e apanhou muito. Já tinha a saúde ruim e foi torturado. Morreu moço, pelo que sofreu na ilha”, disse Terezinha Fukuoka em depoimento.

 

Prisão virou filme

A prisão dos japoneses na  Ilha Anchieta, em  Ubatuba, que integravam a associação Shindo Renmei foi retratada em livro e em filme. Tanto o livro como o filme, relatam a prisão e confinamento no presídio de Ilha Anchieta, em 1946, de um grupo de 172 imigrantes japoneses, que pertenciam ao Shindo Renmei, que significava “Liga do Caminho dos Súditos”.

Em 2012, a história foi parar nas telas do cinema, no filme Corações Sujos, baseado em livro de Fernando Morais e dirigido por Vicente Amorim e estrelado por Edu Moscovi e Tsyoshi Ihana(Cartas de Iwo Jima).

 

A associação tinha como objetivo de manter a tradição nipônica e a organização das colônias japonesas espalhadas pelo interior de São Paulo e demais estados do país. Durante a segunda guerra, os membros do Shindo Renmei viviam na clandestinidade, porque os imigrantes japoneses foram proibidos pelo governo brasileiro de manter suas tradições, cultura, língua e atividades sociais, esportivas e políticas.

 

Foi proibido, também, o uso do rádio, pois a colônia fazia oposição aos aliados, apoiados pelo Brasil na guerra. Com o fim da guerra em 1945, iniciou-se um ciclo de conflitos e mortes na comunidade japonesa que vivia no país. Os membros do Shindo Renmei não acreditavam e, tão pouco, aceitavam, a derrota do Japão na guerra. Para eles, as notícias da derrota eram duvidosas, uma vez que o Brasil apoiava os aliados.

Uma parcela da comunidade japonesa, chamada na época de “corações sujos” ou “derrotistas”, por acreditar na derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial, passou a ser perseguida pela organização Shindo Renmei. Com o crescimento do conflito e morte dos “derrotistas”, o governo brasileiro resolveu intervir, prendendo na  Ilha Anchieta ou deportando para o Japão, os integrantes da organização. Esse episódio é considerado um dos momentos mais marcantes na história do presídio da Ilha Anchieta, em  Ubatuba.

 

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