São Paulo ganha arquivo com registros sonoros da língua guarani realizados em 1901 durante expedição da Academia de Ciências da Áustria

 

Arquivo contém dois CDs intitulado The First Expeditions 1901 to Croatia, Brazil, and the lsle of Lesbos que se tornaram um marco na preservação linguística do país. Foto: Samuel Américo dos Santos, bisavô de Cristiano Kiririndju, cacique da aldeia Renascer, em Ubatuba, coordenador de políticas indígenas de SP

 

Awa, Kunhá e Mitangué. Você sabe de onde vêm essas palavras e seus significados? Elas fazem parte da língua Tupi Guarani, uma das mais importantes e faladas no Brasil e na América do Sul, que significam “homem”, “mulher” e “criança”. Esses primeiros registros sonoros da língua foram realizados em 1901 durante uma expedição pioneira da Academia de Ciências da Áustria.

Naquele ano, a instituição empreendeu uma viagem pelo mundo com o objetivo de registrar vozes humanas e músicas de diferentes povos e línguas em um grande arquivo chamado Phonogrammarchiv. Entre os locais visitados pela equipe estava o Brasil, onde tiveram a oportunidade de realizar o primeiro registro sonoro em faixas com adjetivos, substantivos, verbos e trechos de cantos religiosos.

O chefe da expedição em questão, era o botânico austríaco Richard Wettstein, que levou os indígenas guaranis Joaquim Bento, nascido em São João Batista do Rio Verde, e Samuel Américo dos Santos, nascido em Rio Preto, ambos da terra indígena do bananal de Peruíbe, até a cidade de São Paulo para que fossem feitas as gravações em discos de metal da importante língua falada.

Infelizmente, os negativos originais dessas gravações foram perdidos durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). No entanto, nas décadas seguintes, pesquisadores europeus conseguiram resgatar o valioso arquivo a partir de cópias em discos de cera. Em 1999, a Academia de Ciências da Áustria digitalizou todo o acervo e publicou em dois CDs intitulado The First Expeditions 1901 to Croatia, Brazil, and the lsle of Lesbos, preservando esse importante patrimônio histórico e cultural.

Recentemente, o acesso a esses registros históricos foi concedido ao Governo do Estado de São Paulo por pesquisadores na cidade de Vienna, na Áustria, por meio de um convite feito à Secretaria da Justiça e Cidadania e à Coordenadoria de Políticas para os Povos Indígenas (CPPI), onde realiza uma missão na Europa voltada às questões dos povos indígenas paulistas. Nesse contexto, o Departamento de Antropologia da Universidade Masaryk, na República Tcheca, desempenhou um papel fundamental, realizando a articulação e a localização desse importante registro.

Desde 1° de maio, o projeto de pesquisa intitulado “Diálogos simétricos: educação, culturas e territorialidades”, participa de uma série de agendas, com palestras, seminários, visitas técnicas e reuniões na República Tcheca (Brno), na Áustria (Viena) e na Itália (Perúgia). Os encontros continuam até amanhã, dia 8 de maio.

A agenda foi aprovada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP e integra o Programa de Pesquisa em Educação Básica – PROEDUCA/SEDUC. O Coordenador da CPPI, Cristiano Kiririndju foi convidado por universidades europeias, por sugestão de pesquisadores e bolsistas incluídos nessa ação educacional.

É importante destacar que o indígena Tupi Guarani Samuel Américo, um dos participantes das gravações de 1901, é bisavô de Cristiano, que hoje é uma das principais vozes dos povos originários no Estado de São Paulo.

Cristiano Kiririndju, cacique da aldeia Renascer, em Ubatuba, coordenador de políticas indígenas de SP

“Estamos muito contentes em ter esses registros históricos nas mãos. Eu já sabia da existência desses áudios, mas poder finalmente ouvi-los é algo emocionante. Saber que a voz do meu bisavô, Samuel Américo, está preservada nesse importante acervo, é muito significativo. Isso reforça a relevância desses registros para a preservação da língua Tupi Guarani e da cultura dos povos indígenas de São Paulo”, finalizou Cristiano.

Recentemente, a Embaixada do Brasil na Áustria se dispôs a adquirir o material e doar à Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e à ONG Kamuri. Esse episódio é um marco na preservação da diversidade linguística brasileira, mostrando a importância de investir em iniciativas que registrem e protejam as línguas dos nossos povos originários, garantindo que as vozes do passado continuem ecoando.

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