41% dos jogadores negros profissionais do país afirmaram já terem sido vítimas de racismo, aponta pesquisa

 

Como resultado de um compromisso firmado pelo Ministério Público Federal (MPF) com a empresa Fisia Comércio de Produtos Esportivos Ltda., detentora dos direitos para comercialização dos produtos da marca Nike no Brasil, foi publicado o Levantamento sobre a Diversidade no Futebol Brasileiro, com ênfase em religião, gênero, raça e origem. O relatório apontou que mais de 40% dos jogadores negros afirmaram já terem sido vítima de racismo nos ambientes desportivos. A discriminação em razão da religião também foi um dos pontos identificados.

 

Arte com imagem de partida de futebol (detalhe dos pés dos jogadores e bola) ao fundo e frase "41% dos jogadores negros que atuam nos principais campeonatos do país afirmaram já terem sido vítimas de racismo."

 

O estudo ouviu 508 profissionais, entre atletas e comissão técnica das divisões de elite do esporte nacional, e trouxe estatísticas importantes sobre racismo, intolerância religiosa, xenofobia e outros pontos de atenção na busca por um ambiente mais inclusivo e igualitário no esporte.

O Levantamento sobre a Diversidade no Futebol Brasileiro foi produzido pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol, em parceria com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), com financiamento da Fisia. O estudo é parte de um termo de compromisso assinado pela empresa com o MPF, por meio da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro (PRDC-RJ), com o objetivo de fomentar o debate público sobre o tema da diversidade, visando contribuir para a consolidação de uma cultura de paz e respeito no âmbito esportivo.

 

Arte com imagem de partida de futebol (detalhe dos pés dos jogadores e bola) ao fundo e frase "Casos de racismo ocorreram em: estádios (53,9%), redes sociais (31,4%), centros de treinamento e sedes dos clubes (11,4%) e hotéis (3,3%)"

 

O levantamento trouxe dados expressivos sobre a discriminação racial, como por exemplo 41% dos jogadores negros que atuam nos principais campeonatos do país afirmarem já terem sido vítimas de racismo. Os resultados evidenciam os ambientes mais nocivos para a prática, como o estádio (53,9% dos casos) e as redes sociais (31,4% dos casos), mas também alertam para a prática em outros espaços de atuação dos atletas, como centros de treinamento e nas sedes dos clubes (casos denunciados por 11,4% dos participantes), mostrando que a prática é enraizada e demanda atuação em diversos níveis para ser efetivamente combatida.

 

Arte com imagem de partida de futebol (detalhe dos pés dos jogadores e bola) ao fundo e frase "Entre os praticantes de religiões de matrizes africanas, 97,25% afirmaram não ter a crença respeitada."

 

Dados sobre a intolerância religiosa também ilustram a dimensão do problema. O expressivo percentual de 97% das pessoas que praticam religião de matriz africana diz não ser respeitado em sua crença no meio do futebol, dominado por cristãos católicos (52,8%) e evangélicos (30,91%). “A única vez que falei da minha religião, o pessoal ficou dizendo que eu tinha pacto com o diabo e me mandou calar a boca”, relatou um participante.

 

Arte com imagem de partida de futebol (detalhe dos pés dos jogadores e bola) ao fundo e frase "No futebol masculino, apenas 8% dos profissionais são mulheres (geralmente ligadas à comunicação e à saúde)."

 

A defasagem da participação feminina no esporte foi outro ponto de destaque na análise dos dados coletados. Segundo a pesquisa, o futebol masculino conta com apenas 8% de profissionais mulheres, enquanto 45% das pessoas que trabalham com o futebol feminino são homens. Às mulheres, no futebol masculino, restam cargos ligados à comunicação e saúde, o que mostra que, enquanto homens conseguem transitar entre competições masculinas e femininas, o mesmo não ocorre com as mulheres na mesma proporção. “O recorte deixa nítida a urgência de um trabalho que qualifique e incentive a abertura de espaço para mulheres em cargos de liderança, sejam esses em competições masculinas ou femininas”, diz trecho do estudo.

Metodologia – Os 508 profissionais ouvidos no levantamento participaram de forma voluntária e anônima, por meio de questionário on-line. Participaram atletas e profissionais dos clubes dos campeonatos brasileiros masculino (séries A e B) e feminino (séries A1 e A2), além de integrantes da comissão de arbitragem. A coleta dos dados ocorreu entre julho e agosto de 2023.

Suposta prática discriminatória – O acordo celebrado nasceu de um inquérito civil instaurado a partir de notícia de suposta prática discriminatória na customização de camisas da seleção brasileira, em 2022. O caso consistiu na vedação da utilização de palavras relacionadas a religiões de matrizes afro-brasileiras (Ogum e Exu) na personalização das camisas, sendo permitido, no entanto, o uso de termos ligados ao cristianismo (Jesus e Cristo). Na ocasião, a Fisia informou que a política de marketing é definida pela Nike Inc., que proíbe customizações das camisas de times e seleções esportivas com palavras ligadas a temas religiosos.

Para o MPF, a prática justificou a adoção de uma série de medidas para construção de uma cultura de paz, tolerância e respeito pela diversidade, dentre os quais estava a elaboração do estudo agora divulgado. As outras medidas reparativas consistiram na obrigação de atualizar os termos vedados para customização no sítio eletrônico da empresa, de modo a garantir isonomia entre todas as orientações religiosas; fomentar debates sobre tolerância religiosa por meio de eventos e campanhas sociais.

“Por meio do acordo, a PRDC buscou obter medidas de reforço positivo para a construção de uma cultura de respeito às diferenças. O estudo foi apresentado pela Fisia no mês de setembro e, após detida análise do material juntamente com os demais dados e trabalhos apresentados em atendimento ao TAC, conclui-se que traz dados e números importantes, apresentados de forma bastante didática. Aborda tópicos tratados, por exemplo, pela conferência de Durban: racismo, discriminação racial, xenofobia, intolerância religiosa e intolerâncias correlatas, revelando-se importante instrumento para impulsionar o debate e ações efetivas de combate a tais práticas”, declarou a PRDC.

A íntegra do estudo está disponível no site do Observatório da Discriminação Racial no Futebol.

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