Projeto que teve aval do senador Flávio Bolsonaro, relator da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, se aprovado pelo Senado pode impulsionar a criação de praias privadas e a especulação imobiliária. Medida deverá afetar as comunidades tradicionais em todo o país
Por Lu Sudré/Greenpeace.org
A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, sob relatoria de Flávio Bolsonaro, deve colocar em votação amanhã, quinta-feira, dia 24, a PEC 03/2022, que se aprovada possibilita que áreas públicas nas costas e nos litorais possam ser destinadas para uso privado.
Os terrenos de marinha são áreas próximas à costa marítima que incluem praias, ilhas, mangues, assim como margens de rios e lagoas que sofrem influência da maré. Segundo a Constituição Federal de 1988, os terrenos de marinha são bens da União, ou seja, bens públicos de uso coletivo com finalidade socioambiental.
No entanto, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 03/2022, que pode ser votada nesta quinta-feira, dia 24, quer mudar essa realidade. A proposta transfere o domínio das áreas para estados e municípios, mas também para “foreiros, cessionários e ocupantes”, o que abre margem para a expansão de propriedades particulares.
Movimento de pescadores, acadêmicos e ativistas ambientais denunciam que a PEC – aprovada ano passado na Câmara – pode impulsionar a criação de praias privadas e a especulação imobiliária, principalmente considerando o interesse do setor hoteleiro.
Os pequenos comércios locais e iniciativas de turismo de base comunitária, por exemplo, também podem ser diretamente afetados por esse processo.
Entenda o que está em jogo
Em nota técnica, o Grupo de Trabalho para Uso e Conservação Marinha (GT-Mar), ligado à Frente Parlamentar Ambientalista do Congresso Nacional, se posicionou contra a aprovação da PEC e alerta que o que aparentemente pode ser uma simples mudança de titularidade, esconde uma grande ameaça.
Além de ressaltar o uso público e coletivo das áreas como uma garantia constitucional, o documento destaca que os terrenos marinhos são aliados estratégicos para adaptação à crise climática. A gestão e preservação das áreas também é importante para a redução da vulnerabilidade da zona costeira frente a eventos extremos e ao aumento do nível do mar.
Isabelle de Silveira, assessora do GT-Mar, detalha que, à primeira vista, a PEC 03/2022 parece tratar da transferência de títulos imobiliários, contemplando uma demanda de ocupantes das áreas de terreno de marinha que se sentem insatisfeitos em pagar taxas para a União. Contudo, há muito mais a ser considerado.
“A PEC coloca em risco áreas relevantes para o enfrentamento das mudanças climáticas e abre caminho para graves impactos socioambientais relacionados à privatização de praias, degradação ambiental, especulação imobiliária, vulnerabilização e expulsão de povos tradicionais de seus territórios”, reitera.
Comunidades pesqueiras podem ser impactadas caso o PEC 03/2022 seja aprovada
De acordo com a nota técnica do GT-Mar, uma possível aprovação da PEC significaria o crescimento exponencial de conflitos diante do “grande incentivo à invasão de terras públicas – urbanas e rurais – apenas pela sugestão de possibilidade de privatização dessas áreas”.
Na análise de Silveira, a alteração pode ser o início de um processo extremamente nocivo ao meio ambiente.
“A aprovação da PEC poderá facilitar a aprovação de Projetos de Lei que visam privatizar uma porcentagem de nossas praias e facilitar a construção de grandes resorts e cassinos. Seria perigoso olhar para o cenário de maneira simplista”, complementa.
Para o GT-Mar, o processo de fiscalização das áreas também pode ser fragilizado com a PEC, o que ameaçaria ainda mais a biodiversidade costeira – sem os devidos cuidados, as funções ecológicas originais desses terrenos podem ser alteradas e o processo de contenção do aumento do nível do mar, por exemplo, pode ser enfraquecido.
Tramitação
A PEC 03/2022 está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, sob relatoria de Flávio Bolsonaro. Embora estivesse prevista para entrar na pauta da última quarta-feira (16), a votação da proposta foi adiada após apresentação de requerimento de audiência pública feito pelo senador Rogério Carvalho, agendada para 24 de agosto.
Nos últimos dias, a mobilização em defesa do livre acesso às praias e áreas marinhas tem crescido. Foi aberta uma consulta pública no site do Senado, onde você pode se manifestar contra a proposta.