Decisão judicial reconheceu uma série de ilicitudes e nulidades do procedimento de licenciamento, mas não paralisou a obra
O Ministério Público Federal (MPF) recorreu da decisão da 11ª Vara Federal de Curitiba (PR) que indeferiu a suspensão das obras e a decretação da nulidade de todo o processo de licenciamento ambiental dos projetos de recuperação da orla marítima de Matinhos, no Paraná. A decisão recorrida reconheceu que o Instituto Água e Terra (IAT) teria realizado um “autolicenciamento” ambiental ilícito e inconstitucional e determinou que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) assumisse a condução do referido processo administrativo, mas, de forma contraditória, não anulou o processo de licenciamento.
O agravo de instrumento contra a decisão foi interposto no dia 13 de setembro, nos autos da Ação Civil Pública nº 50561654720214047000, proposta pelo MPF e pelo Ministério Público do Paraná em 13 de agosto último. Através das fases do procedimento de licenciamento estão previstos o engordamento artificial da orla por meio de reposição de areia proveniente da dragagem do canal da galheta, bem como a construção de estruturas semiflexíveis de enrocamento com blocos de rocha do tipo guias-correntes (Praia Brava e Rio Matinhos), além de diversas outras intervenções que, segundo o Ministério Público produzirão impactos na orla marinha, correntes e ondas.
O MPF sustenta que, nos meses transcorridos para a análise do pedido liminar, houve a continuidade e encerramento do processo licitatório, tendo sido classificado em primeiro lugar o Consórcio Sambaqui com o menor preço. O órgão argumenta, contudo, ter havido violação ao princípio da prevenção, de acordo com o qual em vez de contabilizar os danos e tentar repará-los, é essencial evitar a sua ocorrência ou, como diz a máxima jurídica “mais vale prevenir”.
Autolicenciamento – De acordo com a decisão, tanto o Instituto das Águas do Paraná, quanto o Instituto Ambiental do Paraná foram absorvidos na estrutura do IAT, por conta da Lei Estadual n° 20.070/2019. Isso ensejou a situação em que postulante (Instituto das Águas) e apreciador do pedido (Instituto Água e Terra) fossem a mesma entidade.
Na petição inicial, os ministérios públicos sustentaram que o engenheiro José Luiz Scrocaro, um dos réus da ação, foi contratado pela empresa Aquamodelo para estruturar o Projeto Executivo de Revitalização da Orla de Matinhos. Ele também foi diretor-presidente do Instituto das Águas do Paraná e atua no IAT como diretor de Saneamento Ambiental e Recursos Hídricos, sendo, ao mesmo tempo, empreendedor e licenciador do programa. Nessa mesma linha, um outro engenheiro, autor do projeto da Faixa de Infraestrutura, elaborou diversos relatórios técnicos e, posteriormente, foi indicado pelo governo para compor a gestão 2019-2021 do Conselho Estadual do Patrimônio (Cepha), como membro efetivo e como participante da Câmara Técnica do Cepha, que deliberou e aprovou o Projeto de Recuperação da Orla de Matinhos.
Princípio da prevenção – Embora a decisão judicial tenha reconhecido a gravidade da situação, que viola a imparcialidade para os atos administrativos, esta afirmou que a comprovação deveria ocorrer em fase de instrução processual. Neste ponto, o MPF defendeu, mais uma vez, o princípio da prevenção ambiental que impõe a adoção de medidas de cautela, justamente porque ao final da instrução processual a obra estará concluída.
Outro aspecto destacado pelo MPF é que a decisão declarou que nem todas as condicionantes da licença prévia e da licença de instalação teriam sido cumpridas. O MPF afirma que o não cumprimento das condicionantes ocorreu sem qualquer explicação detalhada a respeito, e a decisão entendeu que isso deve ser comprovado no curso da ação, quando toda a obra estará pronta com impactos irreversíveis.
O judiciário também declarou que faltou publicidade às audiências públicas: “pela própria complexidade e dimensão do empreendimento, era salutar que um número maior de audiências fosse promovido, de modo a elucidar todos os tópicos relevantes às obras em causa”. E, de modo mais contundente, afirmou revelar-se inválida a licença auto-outorgada pelo IAT ao comprometer o dever de isenção e objetividade inerente ao procedimento.
Para a procuradora da República Monique Cheker, “a decisão fez importantes e precisas considerações ao reconhecer praticamente todos os graves vícios postos na inicial. Contudo, violou princípios ambientais, dentre eles o da prevenção, ao não anular o licenciamento ou paralisar as obras”. Segundo a procuradora, “a obra se iniciou há poucos meses, momento em que a sua continuidade causará maior impacto danoso ao meio ambiente, frisando que a intervenção de maior impacto (estruturas semiflexíveis de enrocamento, headlands, nos Balneários Riviera e Flórida) ainda está por iniciar”.