14 de setembro: um feriado polêmico em Ubatuba

Dia 14 de setembro foi feriado em Ubatuba. Trata-se de uma data tão importante quanto o dia 28 de outubro, quando se comemora o aniversário da cidade. A comemoração da data, pouco conhecida pelos moradores, no entanto, gera muita polêmica na cidade.

A Associação Comercial de Ubatuba entende que o 14 de setembro lembra que a história de Ubatuba está enraizada lá nos primeiros anos do Brasil colônia e é uma historia de resistência, bravura e traições. No último dia 14, a ACU divulgou uma mensagem destacando e relembrando a importância do 14 de setembro. (Leia texto logo abaixo).

Para alguns moradores, no entanto, o feriado municipal não deveria set comemorado. Outros defendem que além da estátua de jesuítas, seja feito um monumento em homenagem aos índios. Vários moradores postaram mensagens nas redes sociais questionando o feriado municipal.

Santiago Bernardes, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, que mora em Ubatuba, postou nas redes sociais no último dia 14 o seguinte texto: A chuva cai melancolicamente sobre a cidade adormecida ainda. Quem dera essa chuva lavasse, além das estátuas e telhados, os séculos e a história contada e repetida em escolas, jornais, internet…

História contada pelos opressores, escrita com o sangue dos explorados e perpetuada pela ignorância dos acomodados. 14 de Setembro, feriado municipal que celebra o primeiro e falso tratado de paz das terras invadidas e chamadas de Américas! Sob as bênçãos da igreja católica, através dos jesuítas Manoel da Nóbrega e José de Anchieta , que mediaram a negociação, traída pelos portugueses. “Paz de Iperoig”? Paz para quem?
Anchieta foi canonizado, mas ajudava a matar quem era de outra religião e celebrava em versos o massacre de um povo! “Após conseguir viver escondido, Jacques Le Balleur foi preso pelos portugueses nas cercanias de Bertioga. Ele foi enviado para Salvador, na Bahia, que era a sede do governo colonial, onde foi julgado pelo crime de “invasão” e “heresia”, em 1559. Em abril de 1567 foi enforcado, sendo auxiliar do carrasco, José de Anchieta, para consternação dos católicos.” (Álvaro Reis, O martyr Le Balleur, Rio de Janeiro: s/ed, 1917).
“Quem poderá contar os gestos heroicos do chefe à frente dos soldados, na imensa mata! Cento e sessenta as aldeias incendiadas, mil casas arruinadas pela chama devoradora, assolados os campos, com suas riquezas, passado tudo ao fio da espada!” (José de Anchieta, De Gestis Mendi de Saa. Tradução do Pe. Armando Cardoso. RJ: Arquivo Nacional, 1958.)
“Dois dias realmente pelejaram. Em Uruçumirim, principalmente. Dia 20, essa aldeia, capital da Confederação dos Tamoios, era reduzida a cinza. No delírio da vitória os portugueses cortavam as cabeças aos cadáveres e as enfiavam nas estacas.”(Aylton Quintiliano, A guerra dos Tamoios, Reper Ed, 1965)
“Naquele vinte de janeiro, a intolerância religiosa e a ambição colonizadora e escravista de Portugal promoveram um dos mais sinistros e vergonhosos massacres de toda a historia brasileira.” (Aylton Quintiliano, A guerra dos Tamoios, Reper Ed, 1965).
Quem sabe quem foi Cunhambebe, Coaquira ou Aimberê?
Vem chuva, lava esse tempo. E recomecemos novamente. Com a história verdadeira!
Em 2001, um artigo interessante de autoria do arquiteto e urbanista Renato Nunes foi publicado no jornal A Cidade, de Ubatuba, alertando sobre a maldição lançada por Cunhabebe sobre Ubatuba. Nunes morreu no ano passado, vítima da Covid-19,  aos 86 anos de idade. 

Em sua crônica, “A maldição lançada…”, Renato Nunes conta que Cunhambebe morreu doente, ferido no corpo e na alma, envergonhado diante da humilhação a que levou seu povo por ter acreditado na palavra dos brancos. Sabendo da importância que os portugueses deram àquela data, pouco antes de morrer o grande cacique lançou uma maldição contra os invasores e seus descendentes dizendo que as terras de Yperoig que eles tanto quiseram seriam as terras do fracasso, que lá nada daria certo, tudo que se começasse não chegaria ao fim.

Grande entusiasmo no início e resultado miserável no final. E assim tem sido a história de Ubatuba, seus ciclos econômicos sempre interrompidos, seus negócios e empreendimentos sempre fracassados. Já quiseram fazer porto de turismo, indústrias do pescado, faculdades, dizem que nada dará certo em Ubatuba, enquanto se comemorar a Paz de Yperoig (em 14/09), como homenagem ao trabalho dos jesuítas, esquecendo-se de que ela só foi possível, porque enganaram a boa fé daqueles homens primitivos e os traíram, matando seus chefes e humilhando seu povo, os verdadeiros donos da terra brasileira.

Também dizem que, a maldição dos índios não é eterna, seu desejo não é vingança e sim serem tratados com dignidade e respeito. Para acabar com os efeitos da “Maldição de Cunhambebe”, basta parar de comemorar a Paz de Yperoig, da forma como ela é comemorada, que ignora o papel e a traição cometida contra os índios. Para isso a Câmara Municipal de Ubatuba deveria aprovar uma lei extinguindo o dia da Paz de Yperoig criando em seu lugar o dia de Cunhambebe e dos Índios do Litoral Norte.

A paz que uniu o Brasil, deveria ser atribuída ao martírio dos índios, da mesma forma que a independência do Brasil é atribuída ao martírio de Tiradentes. Para manter viva a homenagem, estátuas de Cunhambebe, Aymberê, Coaquira e Pindobussú deveriam ser erguidas nos principais pontos da cidade. Aí a nossa história será outra, podem crer…

 

Iperoig, uma história de resistência 

 

 

 

Cabral maravilhou-se com a recepção amistosa dos indígenas tupiniquins  em 1500   mas,   aqui na  região, 50 anos depois,  entre Cabo Frio e Bertioga os índios Tamuias ou Tamoios –que significa  “os mais antigos donos da terra, os primeiros originários” –  travaram guerra direta com os “pêros”, como eles chamavam os portugueses.

Tamoios é um nome genérico que reúne várias tribos num mesmo grupo como os Tupinambás, Guaianases e Aimorés.  No meio, a aldeia de Iperoig, o primeiro nome de Ubatuba.

 

Massacres e escravidão

Os índios da região começaram a resistir à ocupação quando os “pêros” começaram a invadir aldeias aprisionando índios em busca de braços escravos para as recém iniciadas lavouras de cana em São Vicente, massacrando mulheres e crianças, coisa que os índios, mesmo antropófagos, nunca faziam. Se mulheres  e  crianças não lutavam,  por quê matá-los? Eles não entendiam.

A união dos 5 chefes

Por vezes as datas se desencontram, mas por cerca de duas décadas, entre 1554 e 1575, a união de cinco chefes indígenas, depois conhecida como Confederação dos Tamoios, foi a única resistência organizada contra a colonização portuguesa.

Liderados pelo tupinambá Cunhambebe, de Angra dos Reis, o chefe Coaquira, de Ubatuba, Pindobuçu mais Aimberê, de Cabo Frio e Ararai, chefe dos Goianases, os indígenas, hábeis canoeiros e bons no arco e flecha, passaram a contar também com algum apoio armado dos franceses que ocuparam a aldeia dos cari ou cari-oca, a casa dos brancos, como os povos originários  chamavam o Rio de Janeiro.

Mas sendo calvinistas evangélicos, isso só reforçavam as razões para mais ataques dos católicos portugueses aos indígenas e aos “mairs” ou franceses.

Atazanando a vida

As constantes ações dos indígenas infernizavam e muito a vida dos lusitanos. Por exemplo, em 9 de julho de 1562, aos gritos de “jukaíkaraíba!” (morte aos portugueses!) os Tamoios atacaram em massa a então pequena São Paulo do Piratininga. Não fosse a ação de João Ramalho e do cacique Tibiriçá, hoje enterrados na igreja da Sé, por pouco São Paulo não foi varrida do mapa.

Por isso, os “pêros” queriam negociar. Apelaram para os padres jesuítas José de Anchieta, que falava muito bem o tupi-guarani, e Manoel da Nóbrega, para que buscassem conversações de paz. Eles chegaram nas praias de Ubatuba em 1563, vindos de São Vicente num navio do italiano Francisco Adorno.

Foram recebidos aqui pelo próprio Coaquira que os hospedou na sua aldeia de Iperoig. Os outros chefes foram chamados. As conversações eram longas, enroladas.

Por exemplo: Aimberê perdeu as primeiras reuniões, chegou atrasado. Quando viu todos reunidos de boa, esculhambou com os outros chefes por já entrarem na conversa dos padres.

Aimberê preferia ver Nóbrega e Anchieta assados e devorados junto com a cabeça de três chefes tupiniquins de São Paulo, entre eles Tibiriçá que ajudavam os pêros. Daí que as primeiras negociações não foram nada fáceis.

Comissão de frente

Aimberê era o mais revoltado pois tinha perdido mãe e irmãos num ataque português à sua aldeia de Uruçumirim e viu seu pai Cairuçú morrer por maus tratos como escravo. Ele próprio só se salvou fugindo de São Vicente.

Aimberê impunha condições que envolviam a soltura de todos os índios escravizados e o fim das invasões de aldeias. Os padres negaram-se a entregar os outros chefes.

Foram vários dias de discussões e ameaças de morte. Venceram os argumentos dos caciques Coaquira e Cunhambebe. Decidiram mandar uma comissão de negociação, de volta a São Vicente para conversarem com as “autoridades” portuguesas, com Nóbrega, Aimberê e Cunhambebe

Foram meses de espera, entre maio e setembro. Anchieta tinha ficado aqui em Ubatuba como refém. Nesse entretempo, conta a lenda, o padre –que “sofria de espinhela caída” ou dor na coluna, era corcunda- teria escrito nas areias da praia de Iperoig, 5.732  versos num poema à Virgem Maria, decorando-os para reescrevê-lo depois.

 

A paz de um ano

 

Em 14 de setembro de 1563,a comissão voltou com a notícia do acordo. Os portugueses prometeram que não escravizariam mais os Tupinambá do litoral e esses, por sua vez, não atacariam as vilas e fazendas dos pêros. Isso ficou assim conhecido como a Paz de Iperoig.

Mas a tal paz durou pouco mais de um ano. A guerra deu um pequeno alívio, mas as escaramuças retornaram. Os portugueses voltaram a atacar a aldeia de Coaquira. A Confederação voltou a mostrar força.

Cunhambebe havia morrido de varíola. Aimberê assume a liderança. Chefes de aldeias mais afastadas invadiam fazendas e engenhos em pequenos grupos.

Foi quando o rei português apelou para Estácio de Sá, sobrinho do governador do Rio. A ocupação francesa de 10 anos já preocupava. Os índios também, em 8 de janeiro de 1567, com o reforço de três galeões vindos de Portugal e dois navios de guerra com canhoneiras,1.500 soldados mais ajuda dos índios de Araribóia.

Estácio de Sá começa um contra-ataque até o fim dos resistentes. Foram varridos do mapa. O próprio Anchieta, descreve em livro “os feitos de Mem de Sá, herói das plagas do Norte” com detalhes desta “batalha sangrenta em que as armas lançaram o inimigo, nativos e calvinistas, ao extermínio medonho, contando 160 aldeias incendiadas, mil casas arruinadas”.

Começa a colonização

Pestes como o sarampo e a varíola acabaram com os Tamoios restantes. Já no início do século 17, não havia mais nenhum índio Tupinambá no Sudeste do Brasil. Alguns poucos remanescentes refugiaram-se na Serra do Mar ou avançaram Brasil adentro.

Dizimados os indígenas,  colonizadores brancos puderam, enfim, ocupar as terras ubatubanas. Jordão Homem da Costa, fundador de Ubatuba, era um nobre português dos Açores, seguido por outros como Salvador Corrêia de Sá, nome da rua onde funciona o anexo da Câmara.

Iperoig teve seu nome mudado para Vila Nova da Exaltação da Santa Cruz do Salvador de Ubatuba conseguindo a emancipação em 28 de outubro de 1.637. A data é tida hoje como o aniversário da cidade.

Com a expansão do café no Vale do Paraíba, a cidade torna-se grande porto exportador. Em 1855 tornou-se Comarca de Ubatuba e em 1944 Estância Balneária. Hoje, com quase 80 mil habitantes, Ubatuba luta para fortalecer-se como cidade turística, buscando desenvolvimento sustentável , cobrando saneamento, melhor educação,  mais saúde e pela ampliação de oportunidades de trabalho.

O brasão dos 5 indígenas

A história relata embates entre portugueses e indígenas até por volta de 1575, quando Aimberê morre próximo a Cabo Frio. Assim, restou a memória desta guerra de doze anos, tida hoje pelos historiadores como a maior organização indígena de resistência à ocupação dos brancos na história das três Américas.

Toda cidade, todo Pais tem seus símbolos cívicos, como a bandeira e os brasões. A Bandeira do Brasil é um símbolo da Pátria, por exemplo. Um brasão é uma espécie de desenho que conta um pouco da história da cidade.

Como nasceu

Em 28 de outubro de 1937, aniversário da cidade, o então prefeito Washington de Oliveira- “seu” Filhinho- enviou à Câmara o projeto de lei para instituir os símbolos ou o brasão da cidade com uma justificativa resumindo o significado dos mesmos:

A cruz que foi empunhada pelos missionários José de Anchieta e outros, lembra o nome dado à cidade pelo seu fundador, Jordão Homem da Costa, depois de afastados os índios tamoios: Exaltação da Santa Cruz do Salvador de Ubatuba

As duas plantinhas ou “dois caniços cruzados ao pé da cruz lembra as origens do nome Uba-tuba, palavra de origem indígena, significando lugar onde tem muitos pés de ubá, espécie de cana silvestre ou cana-do-rio usada para fazer flechas”. 

Finalmente, a canoa com cinco remadores navegando no mar, lembra a atividade dos indígenas estabelecidos nesta região. Os 5 remadores na canoa são: Cunhambebe, Aimberê, Pindabuçu, Coaquira e Araraí, os chefes que formaram a Confederação dos Tamoio.

Serve de timbre ao escudo, a coroa mural de ouro convencionalmente adotada para caracterizar as armas dos municípios e cidades.

Ideia de monumento

Os cinco tamoios, primeiros heróis genuinamente nacionais, foram assim, perpetuados no brasão de Ubatuba.  O diretor da Câmara, Marcos Roberto dos Santos, estudiosos da história ubatubana defende uma homenagem, digamos,  mais concreta à memória local lembrando que a única cidade que valoriza a Paz de Iperoig é a cidade de Bertioga, que numa linda estátua de bronze, resgatou para o Litoral a história de Cunhambebe.

Em discurso feito da Tribuna Popular, falando da Paz de Iperogi, ele sugere que “além da homenagem ao Padre José de Anchieta, nesse monumento, que se dê aos nossos chefes Tamoios, ou seja, aos mais velhos da terras, Cunhambebe, o grande cacique, Aimbiré, Coaquira, cacique de Ubatuba, Pindobuçu e Araraí, justamente os cinco índios que remam na canoa do brasão desta cidade, uma estatua que homenageie e lembre a bravura e amor desses homens as terras caiçaras”.

 

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