Professores e lideranças entregam proposta de diretrizes curriculares para a educação escolar indígena em SP

Lideranças indígenas de São Paulo entregaram na última semana à Secretaria Estadual de Educação (Seduc) sua proposta de diretrizes curriculares para a educação escolar indígena no estado. O documento, elaborado por professores, pais e líderes dos territórios indígenas, busca orientar os trabalhos da Seduc na resolução de problemas enfrentados pelas comunidades no cotidiano escolar. O objetivo é mostrar os caminhos que devem ser seguidos para se garantir uma educação específica, intercultural, multilíngue, diferenciada, comunitária e de qualidade para os povos indígenas de São Paulo. As diretrizes haviam sido apresentadas na semana passada, em uma reunião conjunta da secretaria com o Ministério Público Federal. A íntegra está disponível no canal do MPF/SP no YouTube.

Entre os pontos propostos está a criação da Diretoria de Ensino Indígena (DEI), com funcionários especializados, orçamento e políticas públicas próprias para atender às unidades escolares indígenas. Hoje, são 41 escolas e salas vinculadas no estado, espalhadas por 14 Diretorias Regionais de Ensino que não possuem políticas específicas para a educação escolar desses povos, nem servidores com formação adequada para compreender e atuar junto à realidade das comunidades, como é garantido por lei.

Litoral Norte

No Litoral Norte, existem escolas indígenas na aldeia do Rio Silveira, em São Sebastião; na aldeia Guarani Mbya da Boa Vista, localizada no bairro Prumirim, região norte de Ubatuba; e, na aldeia Renascer, localizada no bairro Corcovado. No ano passado, as escolas indígenas de Ubatuba receberam da Secretaria Estadual de Educação, desktops, notebooks e TV’s para serem utilizadas pelos funcionários, professores e estudantes das unidades escolares. O investimento foi de R$ 18 mil por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE Paulista).

Segundo o coordenador pedagógico da Aldeia Indígena Renascer, Cristiano Awa Kiririndju, que atua há 18 anos na educação, a criação da escola foi uma luta do cacique Antônio da Silva Awa e dos indígenas que buscam sempre melhorias para a aldeia. A escola conta com um corpo docente com onze educadores (com coordenador pedagógico, administrativo e educadores), duas cozinheiras e uma faxineira. São atendidas 38 crianças a partir de três anos, no ciclo I estão os alunos da 1ª, 2ª e 3ª série, no Ciclo II o 4º, 5º e 6º ano, no Ciclo III o 7ª, 8º e 9º ano. Professores da escola regular que não são indígenas dão aulas para o Ensino Médio e EJA no período noturno.

Na Escola Estadual Indígena Penha Mitangwe Nimboea, na Aldeia Renascer Ywyty Guaçu, o chip até chegou, mas a rede das operadoras não. Para trabalhar, o professor Donizete Machado da Silva, Aridju, que dá aulas de língua e cultura indígena para crianças do 3° ao 5° ano do ensino fundamental, precisou contratar fibra óptica e comprar um novo celular e um notebook.

Queixas

Uma das principais queixas dos grupos indígenas é a dificuldade de dialogar com as diretorias de ensino. “É comum que algumas não reconheçam o direito de nossas escolas a uma educação diferenciada, não permitindo que os calendários sejam flexíveis, não reconhecendo nossas práticas pedagógicas ou nossos espaços de ensino e aprendizagem fora da sala de aula”, explicou um dos representantes do Fórum de Articulação dos Professores Indígenas do Estado de São Paulo (Fapisp) durante a apresentação das diretrizes curriculares. Para a criação da DEI, o documento propõe um remanejamento dos recursos já disponíveis, mas pulverizados entre as diversas diretorias regionais, visando a uma gestão mais eficiente e respeitosa, sem exigir novos gastos.

OUTRAS PROPOSTAS – A priorização de gestores e professores indígenas, com formação inicial e continuada em licenciaturas interculturais específicas, também é uma das demandas das comunidades. As diretrizes curriculares propostas incluem ainda a construção de calendários escolares diferenciados, adequados às particularidades de cada comunidade; a garantia de merenda saudável, que respeite os hábitos alimentares locais; e a adoção de materiais didáticos que valorizem os costumes, tradições e sistemas de conhecimento específicos das culturas indígenas.

A infraestrutura das escolas e salas vinculadas é outro ponto levantado pelos líderes e professores. Eles requerem que as unidades sejam adequadas e estejam dentro dos territórios indígenas, o que não acontece atualmente. Além disso, é fundamental que os diversos espaços das aldeias sejam reconhecidos como lugares de ensino e aprendizagem, e que as línguas indígenas maternas possam ser amplamente utilizadas na alfabetização e ao longo de toda a educação básica.

A proposta de diretrizes curriculares para a educação escolar indígena foi elaborada por um grupo de trabalho formado por representantes indígenas de todas as regiões paulistas, que se reuniram entre outubro de 2021 e maio de 2022. O GT foi organizado pelo Fapisp, em parceria com o Conselho Estadual dos Povos Indígenas do Estado de São Paulo (Cepisp), a Articulação dos Povos Indígenas da Região Sudeste (Arpin Sudeste) e a Fundação Nacional do Índio (Funai), com apoio técnico e financeiro do Comitê Interaldeias e da Comissão Guarani Yvyrupa.

O processo vem sendo acompanhado de perto pelo MPF, no mesmo contexto da criação da licenciatura intercultural indígena no estado de São Paulo. O projeto político pedagógico para essa licenciatura foi apresentado em 2019 ao Ministério Público, que desde então vem atuando na negociação entre as comunidades indígenas (organizadas em torno do Fapisp), universidades e a Seduc para a implantação do curso superior. O investimento em ações voltadas ao fortalecimento das comunidades na defesa da educação escolar indígena foi uma das obrigações impostas à concessionária Rumo Logística, como forma de mitigar os danos causados às populações indígenas pelas obras de duplicação da Malha Ferroviária Paulista. O cumprimento do conjunto de obrigações, conhecido como CI-PBA (Plano Básico Ambiental – Componente Indígena), também está sendo acompanhado pelo MPF, que atuou para conseguir, em 2020, a assinatura de acordo entre a empresa e as comunidades indígenas sobre a forma de cumprimento das obrigações.

A partir de agora, o órgão ministerial acompanhará as negociações das lideranças indígenas com a Seduc com vista à implementação das diretrizes curriculares entregues à secretaria.

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