Sessenta e sete territórios habitados por povos e comunidades tradicionais do Brasil, entre eles, duas comunidade caiçaras de Ilhabela, duas de Paraty e os territórios quilombolas de Ubatuba, estão catalogados de forma georreferenciada na Plataforma de Territórios Tradicionais, uma ferramenta colaborativa que busca incentivar os próprios integrantes a inserirem informações sobre os modos de ser e de viver de seus grupos. Os dados estarão disponíveis para acesso público até o final do mês. As comunidades cadastradas estão localizadas nos biomas Amazônia (20); Cerrado (18), Mata Atlântica (18), Caatinga (9), Pantanal (1) e Pampa (1). E esse número tende a crescer, pois informações sobre outros 162 territórios estão em processo de validação.
Ilhabela teve três comunidades caiçaras incluídas na plataforma, a Canto da Lagoa e Canto do Ribeirão na Baia dos Castelhanos, em 19 de abril deste ano e a do Bonete, no dia 23 de abril deste ano. Em Ubatuba, os territórios quilombolas foram incluídos no dia 24 de abril deste ano. Paraty teve duas comunidades caiçaras incluídas na plataforma: a de Praia Grande da Canjaíba, em 24 de abril e a do Saco do Managuá, no último dia 5 de maio.
Apresentação
A apresentação desses dados foi feita na última quinta-feira (5), na abertura do seminário Cartografia da Diferença: a experiência da Plataforma de Territórios Tradicionais, realizado na sede da Procuradoria-Geral República (PGR), em Brasília. A plataforma faz parte do projeto Territórios Vivos, realizado pelo Ministério Público Federal (MPF), em parceria com o Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT) e a Agência Alemã de Cooperação (GIZ). A maior parte dos dados inseridos na ferramenta até o momento são resultado do trabalho de pesquisa realizado pelo Mestrado em Sustentabilidade junto a Povos e Territórios Tradicionais (MESPT) da Universidade de Brasília (UnB), com o apoio da Clua (Climate and Land Use Alliance).
O sistema utiliza georreferenciamento para reunir e disponibilizar, de forma interativa, informações de diversas fontes sobre as áreas habitadas pelas populações tradicionais do Brasil, como localização, estimativas populacionais, imagens, dissertações, vídeos, entre outros materiais. O objetivo é mapear a ocupação das áreas, bem como traçar diagnóstico das necessidades desses grupos. “O que a plataforma propõe é, de forma inovadora e diversificada, valorizar o direito à autodeclaração e à autodeterminação. É um processo de construção colaborativa, em que cada um vai ter a responsabilidade e o dever de colocar o melhor, angariando o conhecimento que depositou para conformar todo o processo de defesa de interesses e direitos dos povos e comunidades tradicionais”, destacou a diretora do projeto, procuradora regional da República Sandra Kishi.
Na avaliação do diretor adjunto do projeto, o procurador da República Eduardo Henrique Aguiar, um dos pontos mais importantes da iniciativa é o caráter participativo da plataforma. A ideia é que os próprios habitantes dos territórios registrem informações no sistema sobre suas comunidades para, depois, serem validadas por membros de um Comitê Técnico (formado pelo CNPCT e por outras 16 instituições públicas e privadas ligadas ao tema). Após passar por esse crivo, os dados seguem para análise do Conselho Gestor – composto por seis representantes de diferentes povos e comunidades tradicionais indicados pelo CNPCT e um integrante do MPF -, a quem cabe, por maioria simples, homologar a inclusão do grupo e a disponibilização dos conteúdos para consulta.
Os dados validados são classificados em dois tipos, os de visibilidade restrita – que estão disponíveis apenas para procuradores do MPF que trabalham com a temática, integrantes do Conselho Gestor e do Comitê Técnico da plataforma – e os dados públicos, disponíveis a todos que acessam a plataforma. O passo seguinte a esta primeira fase, de inserção de informações na base de dados, será a interoperabilidade com outros sistemas já existentes, o que vai permitir o cruzamento com dados sobre rodovias, ferrovias, recursos hídricos, qualidade de água, escolas e postos de saúde. “A partir daí, não só o Ministério Público Federal, mas os governos em nível municipal, estadual e federal, terão a condição de melhor trabalhar as políticas públicas e de melhor buscar a concretude dos direitos e garantias dos povos e comunidades tradicionais”, explicou Aguiar.
Reconhecimento – Em palestra durante o evento, o procurador da República Wilson Rocha, que representa o MPF no Conselho Gestor, chamou atenção para o fato de povos e comunidades tradicionais historicamente sofrerem com a expropriação de seus territórios. Segundo ele, essa expulsão reflete o racismo arraigado na sociedade e evidencia o fechamento institucional para os saberes oriundos dessas populações. A ideia da plataforma é servir de instrumento para mudar esse quadro, ao jogar luz sobre os povos tradicionais para que políticas sejam desenvolvidas de acordo com o perfil e necessidade de cada grupo.
“A ferramenta traz como novidade a percepção de que não é só demarcação que garante o território”, pontuou Rocha. Ele destacou ser importante avançar no processo de demarcação, que é o instrumento estatal de garantia dos direitos territoriais. No entanto, é preciso entender que essa não é a única forma de reconhecimento desses territórios. “Quantas terras indígenas não estão demarcadas e continuam sendo terras indígenas? Por quê? Porque as pessoas estão lá, pois se constrói uma relação com esses territórios”, concluiu.