Fenômeno é acompanhado por satélites e equipes de pesquisa para garantir segurança ambiental
Um fenômeno conhecido como “maré vermelha” tem sido observado no litoral norte de São Paulo, nas regiões de São Sebastião e Ilhabela, desde meados de janeiro de 2025. O evento, caracterizado por extensas manchas vermelhas na superfície do mar, é causado pela alta concentração de Mesodinium rubrum, um microorganismo que, embora não seja tóxico, pode impactar o ecossistema marinho. O Mesodinium rubrum é um ciliado mixotrófico, capaz de se alimentar e realizar fotossíntese, e sua presença em grandes quantidades pode levar à hipoxia (redução de oxigênio na água) após o declínio da floração. Além disso, esse organismo serve de alimento para dinoflagelados do gênero Dinophysis, que podem produzir toxinas perigosas para a saúde humana.
O monitoramento do fenômeno está sendo realizado pelo Laboratório de Instrumentação de Sistemas Aquáticos (LabISA) da Divisão de Observação da Terra e Geoinformática (DIOTG) do INPE do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em parceria com o Centro de Biologia Marinha da USP (CEBIMar) e com o Geospatial Computing for Environmental Research Lab (GCER) da Mississippi State University. Imagens de satélites da Agência Espacial Europeia (ESA), como o Sentinel-3/OLCI e o Sentinel-2/MSI, têm sido utilizadas para acompanhar a evolução das manchas vermelhas.
Enquanto o Sentinel-3/OLCI permite uma revisita diária, o Sentinel-2/MSI, com revisita a cada 5 dias, foi utilizado para observar a mancha em uma escala espacial maior, embora com menor frequência temporal. Esses satélites fornecem dados com resolução espacial de 10 a 300 metros, permitindo a identificação precisa das áreas afetadas e o direcionamento de coletas de amostras in situ.
A colaboração de instituições como o ICMBio, o Parque Estadual da Ilhabela e o CEBIMar/USP, que cederam embarcações e equipes para coleta de dados, tem sido fundamental para validar as observações feitas por satélite. As análises microscópicas confirmaram a predominância de Mesodinium rubrum nas amostras coletadas. Embora o fenômeno não represente um risco direto à saúde humana, o monitoramento contínuo é essencial para antecipar possíveis impactos ambientais e evitar situações como a ocorrida em 2016, quando uma floração de Dinophysis levou ao embargo do consumo de ostras e mexilhões no litoral paulista.
O INPE e seus parceiros reforçam a importância do uso de tecnologias de sensoriamento remoto para o monitoramento ambiental, garantindo a segurança das comunidades costeiras e a preservação dos ecossistemas marinhos. A população é orientada a seguir as recomendações das autoridades locais e evitar o contato com áreas onde as manchas vermelhas são visíveis.
Relatório
Confira a nota técnica conjunta LabISA/INPE, CEBIMAR/USP e GCER/Mississippi State
University , sobre a “Maré vermelha” nas praias de São Sebastião e Ilhabela., elaborada pelos profissionais Daniel Andrade Maciel, Bruno Rech, Júlio Cesar Pimenta dos Santos, Rejane Paulino, Vitor Souza Martins, Evlyn Márcia Leão de Moraes Novo, Aurea Ciotti e Claudio Clemente Faria Barbosa:
O monitoramento da qualidade da água nas praias é crucial para garantir a segurança dos banhistas, especialmente em regiões litorâneas com alta atividade turística. Entre os dias 12 a 24 de janeiro de 2025, navegadores e pescadores nas cidades de Ilhabela e São Sebastião, no litoral norte do estado de São Paulo, relataram a presença de extensas manchas
vermelhas, desde a linha da costa até áreas mais afastadas, como o arquipélago de Alcatrazes. Essas florações, popularmente chamadas de “marés vermelhas”, são causadas pela grande densidade de organismos microscópicos fotossintetizantes e dos pigmentos presentes em suas células. Nestes eventos em particular, amostras observadas em microscópio no CEBIMar/USP indicaram a presença de Mesodinium rubrum, um ciliado mixotrófico (ou seja, pode se alimentar e fotossintetizar). Altas densidades de Mesodinium, se estendendo por quilômetros, já foram reportadas na costa sudeste em 2014. Apesar desse organismo não compor o grupo de organismos que gera florações potencialmente tóxicas, o declínio de concentrações elevadas pode promover a entrada de matéria orgânica em
decomposição na coluna d’água e promover hipóxia. Por outro lado, o organismo identificado, Mesodinium rubrum, tem uma história de vida particular, sendo a principal presa de um outro grupo de organismos capazes de florescer, os dinoflagelados, que são potencialmente tóxicos e pertencentes ao gênero Dinophysis. Estes são produtores potenciais de ácido ocadaico que, se acumulado em mexilhões e outros organismos, podem causar problemas gastrointestinais graves. De fato, em 2016, uma mancha com quilômetros de extensão, levou o governo de São Paulo a impor o primeiro embargo comercial na produção e no consumo de ostras e mexilhões devido à presença de biotoxinas nas amostras testadas. Assim, criar ferramentas para monitorar a ocorrência e a distribuição de Mesodinium no tempo e no
espaço pode ser uma estratégia crucial para antecipar os potenciais danos causados por Dinophysis. Uma ferramenta assim permitirá que as autoridades ambientais do estado de São Paulo possam alertar a população e guiar os banhistas de maneira eficiente. Além disso, observar as florações no tempo e no espaço, otimizam os grandes gastos das coletas em campo e necessárias análises do plâncton ou toxinas presentes.
Dados as características específicas desse organismo, cujos pigmentos presentes nas células alteram a cor do oceano de forma previsível, imagens de sensoriamento remoto são uma das ferramentas mais promissoras para auxiliar o monitoramento desses episódios Satélites que orbitam a Terra podem capturar imagens da área em intervalos de 1 a 5 dias, oferecendo uma visão detalhada da dinâmica das manchas ao longo do tempo, apesar de sujeitas à presença de nuvens. Estas imagens são úteis para orientar o levantamento de amostras in situ para identificar as espécies envolvidas, o risco, a provável área afetada, possibilitando ações de mitigação para salvaguardar a saúde da população. Nesse contexto, o Laboratório de Instrumentação de Sistemas Aquáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (LabISA-INPE), em parceria com o Laboratório Aquarela do Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo e a Mississippi State University realizaram uma análise espaço-temporal da evolução do evento de maré vermelha causado
por Mesodinium rubrum ao longo da costa de São Sebastião e Ilhabela entre 12 a 25 de janeiro.
Para essa análise, foram utilizadas imagens dos satélites Sentinel-2/MSI e Sentinel-3/OLCI, ambos desenvolvidos pela Agência Espacial Europeia (ESA). Esses satélites permitem monitorar a região com uma resolução temporal de 1 a 5 dias e uma resolução espacial que varia entre 10 e 300 metros, proporcionando uma visão detalhada da propagação das
manchas em diferentes escalas. Inicialmente, o mapeamento da maré vermelha foi realizado utilizando os dados do sensor Sentinel-3/OLCI, que possibilitaram acompanhar as alterações dos locais e áreas de ocorrência das manchas ao longo dos dias. Nesse evento em particular, tivemos um grande apoio das embarcações locais (Capitão Ximango, Balerina1 Santa Clara), e de técnicos e embarcações do CEBIMar, ICMBio e do Parque Estadual da Ilhabela, além
de algumas imagens obtidas pela embarcação Capitão Ximango com indicações claras da presença manchas vermelhas na costa de São Sebastião e Ilhabela. Os mapas revelam as alterações da localização e de extensão das manchas (marcadas em vermelho) que se deslocam em direção ao continente, especialmente a partir de 15 de janeiro de 2025 . É possível observar que as manchas se concentram nas proximidades de Ilhabela e ao sul de São Sebastião a partir do dia 20 de janeiro. Na última imagem, de 25 de janeiro de 2025, as manchas foram concentradas bem próximo à costa, na praia de Indaiatuba, em Ilhabela. Ao longo dos dias, obtivemos várias informações das embarcações citadas, que nos forneceram horários e coordenadas das observações das manchas, e amostras, que puderam ser identificadas em microscópio no CEBIMar. Na totalidade das vezes, as manchas corresponderam a altas concentrações de Mesodinum rubrum, e de certa forma, auxiliaram nas escolhas para o processamento empregado nas imagens e como verdades de campo, identificando corretamente a localização das manchas pelas imagens. A análise das imagens utilizou o produto de nível L2W do OLCI2 . O uso dessa tecnologia permite a visualização em tempo quase real das mudanças no ambiente marinho capazes de alterar a cor do oceano, fornecendo assim, dados valiosos para a gestão ambiental e ferramentas de auxílio para a segurança das comunidades costeiras.
Fonte: INPE( Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).