Entidades se reuniram no domingo, 26, na sede do Instituto Argonauta. Foto Capa: Santiago Bernardes, presidente do Fórum das Comunidades Tradicionais.
Por Raquel Salgado
Encontro realizado ontem, dia 26, na sede do Instituto Argonauta, em Ubatuba, mobilizou 153 pessoas (número de inscritos) para discutir o enfrentamento à crise climática. O debate começou às 10h e avançou noite adentro em torno dos cinco eixos temáticos propostos pela 5ª Conferência Nacional de Meio Ambiente, prevista para acontecer em maio próximo: Mitigação, Adaptação Climática, Justiça Climática, Transição Ecológica, Governança e Educação Ambiental.
As propostas finais serão publicadas na página da conferência na internet – https://www.instagram.com/conferencialivreubatuba. Este encontro municipal precede a etapa estadual no debate das propostas que serão levadas e aprovadas na conferência nacional, podendo então serem transformadas em lei.
Também foram eleitos para representar Ubatuba na Conferência Nacional: como delegada titular, Luísa Vilas Boas Cardoso, presidenta do Conselho Municipal dos Povos Originários e Comunidades Tradicionais; 1º suplente, Marcos dos Santos Tupã, cacique da Terra Indígena Boa Vista do Sertão do Prumirim; 2º suplente, Genilson da Silva, liderança jovem da aldeia Yakã Porã.
Sociedade Civil
Organizado e realizado pela sociedade civil, o fórum teve a participação de lideranças indígenas Guarani de três das quatro aldeias existentes no município – Rio Bonito (Itamambuca), Boa Vista (Prumirim) e Renascer (Corcovado|). Além de quilombolas da Praia da Caçandoca; representantes das comunidades caiçaras reunidas no Fórum das Comunidades Tradicionais; e da Associação Indígena Tembiguai.

Participaram ainda representantes de várias entidades, entre elas: Icoa – Instituto de Cultura Oceânica, Associação Tamoio, Aquário de Ubatuba, Associação Cunhambebe, Instituto da Árvore, Coletivo Educador Floresta e Mar, Coaquira – Guias e Monitores Turísticos, e Marcha da Maconha.
Estiveram presentes também membros locais da Comissão Diocesana de Justiça e Paz; os vereadores Gady Gonzalez (MDB), atual presidente da Câmara Municipal; e Jaqueline Dutra (PSB). Candidato a prefeito pelo PSB nas últimas eleições, o professor Arnaldo Alves também participou com a esposa Adriana.
Praia poluída e lotada
Como fazer a comunicação da crise climática e das questões ambientais para a população? Esta é uma questão crucial e foi ressaltada pela própria realização do evento na orla da Praia do Perequê-Açú, região central do município. Esta praia está a várias semanas imprópria para banho, segundo a Cia Ambiental do governo paulista, a Cetesb. Apesar disto, dezenas de moradores e turistas lotaram a praia, ignorando o alerta, e ainda o perigo de contaminação devido ao surto de virose que marcou este verão no litoral de São Paulo.
“Temos andado muito pelo município e vemos que as comunidades tradicionais tem uma consciência ambiental muito grande, percebem a necessidade da preservação; ao contrário das comunidades periféricas”, constata o vereador Gady.
E muitas destas comunidades, de gente negra, pobre e periférica, vivendo em áreas inadequadas – Ubatuba tem hoje cerca de três mil famílias em áreas de risco – são justamente as populações que serão mais impactadas pelos eventos extremos da crise climática, como enchentes e deslizamento de encostas.
Extrema pobreza
Cerca de 122 milhões de pessoas podem ir para a extrema pobreza até 2030 devido ao impacto da crise climática. “Nos últimos 30 anos tivemos 67 mil ocorrências de eventos extremos apenas no Brasil. Elas resultaram em 5 mil mortes, 232 milhões de pessoas afetadas e 132 bilhões em prejuízos materiais”, afirmou no encontro Allan Iwama, engenheiro ambiental e doutor em Ambiente e Sociedade, ligado ao Instituto Oceanográfico da USP.
Segundo ele, “o acordo de Paris limitou o aquecimento global em 1.5 graus e nós já ultrapassamos isto. Os eventos extremos já são uma realidade. Apesar disto, somente 13% dos municípios brasileiros tem plano para redução de riscos”.
Daí a necessidade de Mitigação – diminuir/acabar com os gases de efeito estufa que aceleram o aquecimento global, mudando nossa matriz energética, deixando de lado petróleo e carvão e investindo em energia limpa, como a eólica e a hidrelétrica. E se você quer entrar neste esforço, troque o carro pela bicicleta!
Além disto é preciso fazer a Adaptação Climática, com os municípios se preparando para enfrentar os impactos na produção de alimentos, nas ondas de calor, mapeando áreas de risco, preparando abrigos, limpando canais, etc.
Os dados mostram que 1% dos mais ricos emitem mais gases efeito estufa que 66% da população mais pobre. Por isto, a Justiça Climática deve prever políticas públicas que protejam a VIDA como um todo, para além do impacto nas comunidades e na biodiversidade de fauna e flora, garantindo saneamento, água potável e segurança alimentar para as populações mais vulneráveis – ribeirinhos, indígenas, quilombolas e periféricos.
“O poder de transformação está em nossas mãos. É uma luta constante de vida e morte e muitas lideranças estão sendo ameaçadas”, denuncia o escritor, biólogo e presidente do Fórum das Comunidades Tradicionais, Santiago Bernardes.
“As ameaças acontecem no Brasil inteiro. Estamos perdendo nossas crianças, nossos territórios e somos discriminados. Aqui, o turismo, que se diz sustentável, está matando nosso território. Mas vamos continuar lutando”, diz Tiago, liderança Guarani da Aldeia Renascer. “E para mantermos a floresta em pé temos que conseguir a demarcação de nossas terras”, acrescenta Tupã, liderança da aldeia Boa Vista, acrescentando que justiça se faz também “com o pagamento às comunidades tradicionais pelos serviços ambientais prestados à sociedade”.