O navio brigue Camargo, foi o último navio escravista a desembarcar africanos escravizados no Brasil em 1852.
O Consulado-Geral dos Estados Unidos no Rio de Janeiro destinou, na última terça-feira (10), US$ 295 mil ao Instituto AfrOrigens, voltado a ações de conservação dos destroços do brigue Camargo, último navio escravista a desembarcar africanos escravizados no Brasil em 1852. A embarcação está naufragada desde aquele ano no litoral de Angra dos Reis (foto), no estado do Rio.
Os recursos vêm do Fundo dos Embaixadores dos Estados Unidos para Preservação Cultural (AFCP, na sigla em inglês), programa criado pelo Departamento de Estado dos EUA em 2001 para fornecer apoio financeiro a iniciativas de preservação do patrimônio cultural global. O AFCP já beneficiou dez sítios históricos brasileiros.
“O suporte ao brigue Camargo simboliza perfeitamente o que o Fundo dos Embaixadores representa: um compromisso duradouro dos EUA com a preservação da memória cultural, a promoção da compreensão histórica e o fortalecimento dos nossos valores compartilhados”, disse a embaixadora Elizabeth Frawley Bagley, em cerimônia no Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira (Muhcab), na Gamboa, no Rio.
Roubado e depois capitaneado por Nathaniel Gordon, o brigue trazia cerca de 500 africanos de Moçambique para trabalhar escravizados em lavouras brasileiras em 1852, dois anos após a promulgação da lei Eusébio de Queirós, que proibia o tráfico de escravizados ao Brasil.
História
No final de 1852, dois anos depois de ser publicada a Lei Eusébio de Queirós, que proibia o tráfico de escravizados ao Brasil, o capitão americano Nathaniel Gordon aportou na região de Angra dos Reis e fez desembarcarem rapidamente cerca de 500 pessoas africanas.
O traficante de escravos Nathaniel Gordon, em uma ação pirata, roubou o navio em 1851 na região da Califórnia. De lá, partiu para Moçambique, onde conseguiu forçar cerca de 500 negros a embarcarem.
Seu destino era o Brasil, onde ele faria dinheiro fácil vendendo os homens aos fazendeiros do café. Tudo indica que ele já conhecia a rede de portos onde era possível transferir os africanos de forma clandestina. E seu destino foi justamente o Bracuí, no litoral de Angra dos Reis.
Ali havia a propriedade da família Breves, da qual dois irmãos eram envolvidos na já ilegal receptação dos escravizados. “Era uma fazenda de recepção, um local de engorda”, explica Abreu. Como os africanos costumavam chegar muito debilitados depois da precária viagem, era comum que eles passassem por um período de boa alimentação a fim de recuperar massa e força física, em um processo conhecido como “de engorda”, afirmou à BBC News Brasil, a historiadora Martha Abreu, professora na Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
Atento a rumores de que ele estaria sendo procurado pelo crime então chamado de “tráfico negreiro”, decidiu atear fogo à própria embarcação. Disfarçado com roupas femininas, Gordon conseguiu fugir e voltar aos Estados Unidos.
O barco, um brigue — pequeno navio de dois mastros, mais ágil — chamado Camargo, afundou na costa brasileira, levando junto provas materiais daqueles derradeiros anos da escravidão.
Quase uma década depois, o capitão foi capturado no Congo, condenado e sentenciado à morte nos Estados Unidos, se tornando o único americano executado por tráfico de africanos escravizados. O Camargo foi um dos últimos navios a conseguir transportar, clandestinamente, pessoas escravizadas ao país.
Pesquisas
Agora, ao longo de três anos, período de vigência do investimento, serão desenvolvidas atividades de arqueologia subaquática, que incluem mapeamento 360º de todo sítio arqueológico, identificação, estudo, análises históricas e preservação de todas estruturas e artefatos que forem encontrados.
Além disso, em terra, o projeto contemplará a proteção da memória da comunidade quilombola local, Santa Rita do Bracuí, descendente de africanos escravizados transportados por navios escravagistas como o Camargo.
As ações incluirão sinalização de pontos de relevância histórica na região, como porto clandestino, cemitério de escravizados e estruturas da fazenda de recepção, documentação e preservação.
Segundo o consulado dos Estados Unidos, quilombolas membros da comunidade foram contratados formalmente para participar de forma ativa dos trabalhos, através de uma base já instalada dentro do quilombo. Eles serão treinados em técnicas como iniciação à arqueologia, mergulho submarino, documentação e produção audiovisual para que possam transformar os resultados do trabalho em recursos sustentáveis para a comunidade.
“O Fundo dos Embaixadores dos Estados Unidos para Preservação Cultural é um reconhecimento fundamental para o AfrOrigens e a comunidade quilombola do Bracuí. Ao fomentar o uso sustentável desse patrimônio histórico, o projeto fortalece a luta por direitos territoriais, promove a valorização da identidade cultural afrodescendente e cria oportunidades sustentáveis de geração de renda. Essa iniciativa consolida o papel do patrimônio como ferramenta de transformação social e reparação histórica, conectando o passado ao presente para inspirar futuros mais justos e inclusivos”, disse o presidente do AfrOrigens, Luis Felipe Santos.
O que é o Fundo dos Embaixadores
O Fundo dos Embaixadores para a Preservação Cultural foi estabelecido em 2001 pelo Departamento de Estado dos EUA para salvaguardar o patrimônio cultural global. A iniciativa surgiu de preocupações com a destruição de sítios históricos e tradições culturais devido a conflitos, desastres naturais e globalização.
O fundo fornece apoio financeiro para projetos destinados a preservar o patrimônio cultural em todo o mundo. Através de subsídios, ele envolve comunidades e organizações locais, promovendo a colaboração internacional e o intercâmbio cultural. O fundo apoia projetos como a restauração de edifícios históricos, a conservação de artesanato tradicional e a promoção de práticas culturais, aprimorando, em última análise, o entendimento intercultural.
Em 2018, também no Rio de Janeiro, o Fundo dos Embaixadores dos Estados Unidos para Preservação Cultural concedeu US$ 500 mil para trabalhos de preservação do Cais do Valongo, maior porto preservado de desembarque de cerca de um milhão de africanos escravizados nas Américas.
Por Agência Brasil