Mar “já engoliu” cerca de 50% da faixa de areia da praia Martim de Sá em Caraguatatuba

Processo de erosão teve inicio nos anos 2000 supostamente provocado pela ocupação indevida da orla, mudanças climáticas- que causaram a elevação do nível do mar e fenômenos como ressacas e avanços da maré

 

Por Salim Burihan

 

A Praia Martim de Sá, a mais frequentada e famosa de Caraguatatuba, no litoral norte paulista, passa por um processo de erosão praial há cerca de 20 anos, segundo moradores e comerciantes estabelecidos no bairro. A erosão tem sido provocada pela ocupação desordenada de sua faixa de areia e acelerada pela sobreelevação do nível  do mar, causada pelas mudanças climáticas, ressacas e maré altas. 

 

Segundo os comerciantes mais antigos, a praia já teria perdido, em alguns trechos, cerca de 50% de sua faixa original de areia, praticamente, algo em torno de 50 a 80 metros de sua orla. A erosão ocorre mais entre o meio e o canto direito da praia. Tudo indica que o processo de erosão tenha sido iniciado a partir dos anos 2000 com a urbanização da orla da Martim de Sá. 

 

Durante as ressacas que atingem a praia ao longo do ano, o mar chega até a avenida Aldino Schiavi, a principal da orla. O avanço do mar ainda não “derrubou” nenhum quiosque, como ocorreu na praia da Mococa, na região norte de Caraguatatuba, mas está chegando próximo e ameaça cerca de 120 coqueiros plantados na orla.   

 

A maioria dos quiosques teve reduzida a sua faixa de areia frente ao mar. A própria revitalização pela qual passa a praia, definida pela prefeitura e autorizada pela justiça, está permitindo aos quiosques o uso comercial de suas faixas laterais devido a grande perda da faixa de areia em frente aos estabelecimentos, onde antes ficava a maioria das mesas e cadeiras.

 

O Quiosque Canto Bravo, por exemplo, um dos mais frequentados da Martim de Sá, perdeu um espaço enorme de sua faixa de areia nos últimos 20 anos, espaço que antes era ocupado por até 90 mesas e cadeiras, hoje, permite o uso de apenas 45 conjuntos. A redução da faixa de areia também afeta o faturamento do estabelecimento: menos mesa, menos clientes.  

 

Abaixo fotos de antes e de hoje da praia Martim de Sá, confira como a praia perdeu uma grande faixa de areia:

 

Quiosque Canto Bravo no inicio dos anos 90
Quiosque Canto Bravo no início dos anos 2000
Quiosque Canto Bravo, janeiro de 2024

 

Comerciantes

 

Ari Barbosa, comerciante há 28 anos na Praia Martim de Sá e a família de seu colega Zequinha Gomes da Silva, que completou 50 anos de comércio na mesma praia, estão preocupados com a erosão que atinge a praia e cobram iniciativas por parte da prefeitura de Caraguatatuba para apurar o que estaria ocorrendo e iniciar ações para conter a redução da faixa de areia da praia mais famosa e frequentada em Caraguatatuba, no litoral norte paulista, 

 

Ari Barbosa lembra que no final da década de 90, o quiosque Canto Bravo, que é o primeiro no canto direito da praia para quem está de frente para o mar, pode realizar um evento bem bacana na praia reunindo centenas de pessoas com show ao vivo com o cantor e compositor Peléco, um dos mais famosos na época na região do Vale e Litoral Norte. A festa foi um sucesso reunindo centenas de pessoas na praia. 

 

“Havia espaço, muito espaço entre o quiosque e o mar, pelo menos de 100 a 80 metros de areia. Na época, havia espaço suficiente para instalar palco, mesas, cadeiras e criar um ambiente adequado para o show e para poder recepcionar bem a todos. Bons tempos, hoje o quiosque não tem 15 metros de faixa de areia frente ao mar. Estamos bem preocupados”, comenta Ari Barbosa.

 

 

O comerciante conta que gostaria que a prefeitura fizesse um estudo técnico para avaliar o que está ocorrendo na Martim de Sá. Ele ouviu comentários de que a movimentação da maré estaria deslocando a areia do canto direito para o canto esquerdo da praia. Ouviu, também, que a erosão poderia estar sendo provocada por interferências(obras) na faixa litorânea.

Naldo Gomes da Silva, que gerencia o estabelecimento da família, o quiosque do Zequinha, que está estabelecido na praia desde 1973, também sofre com a erosão que atinge a praia. “Temos perdido cada vez mais espaço em frente ao quiosque e ocupado cada vez mais as laterais”, conta Naldo. 

 

Nascido e criado praticamente dentro do quiosque da família, ele disse acreditar que a erosão é provocada pelas mudanças climáticas e estaria atingindo toda a faixa litorânea paulista. Naldo também defende a ideia da prefeitura iniciar estudos técnicos para identificar as causas do problema e agilizar as soluções. 

 

Segundo ele, os quiosqueiros da Martim de Sá já teriam solicitado à prefeitura um estudo para o “engordamento” da praia como foi feito em Balneário Camboriú, em Santa Catarina. Os comerciantes teriam apresentado uma proposta ao conselho municipal de turismo.  A família de seu Zequinha é uma das pioneiras na orla da Martim de Sá, o comerciante possui comércio na praia desde 1973. Hoje, a família possui um quiosque, que fica no meio da orla da Martim de Sá, também, um dos mais frequentados por moradores, veranistas e turistas.   

 

A comerciante Suelen Caumont, cuja família é proprietária do Quiosque Ponto 4, o último localizado no canto esquerdo da praia, ao lado do rio Guaxinduba, reluta em transferir seu estabelecimento da ponta para o meio da Martim de Sá, por causa das ressacas e da redução da faixa de areia. O quiosque que está há 38 anos instalado junto ao rio Guaxinduba, no canto esquerdo da praia, terá que deixar o local por questões ambientais. 

 

Suelen disse que o novo local para onde a prefeitura quer transferir o estabelecimento, entre os quiosques Canto Bravo e do Zequinha, o espaço de areia é muito reduzido por causa da erosão provocada pelo avanço do mar e que na época das ressacas, o mar chega a bater na mureta do calçadão. “Constatamos que a faixa de areia não comporta mais um quiosque. Fizemos vídeos mostrando para a prefeitura a redução da faixa de areia e das ressacas, que em determinadas épocas do ano, avançam sobre a praia e chega até a avenida Dr. Aldino Schiavi”, detalha Suellen.

Confira vídeo de ressaca na Martim: 

 

Pesquisadora

 

A Dr.ª Célia Regina de Gouveia Souza, do IPA(Instituto de Pesquisas Ambientais), da Secretaria estadual de Meio Ambiente, considerada uma das maiores especialistas em erosão praial no país, esteve em novembro em Caraguatatuba. Ela possui um banco de dados com fotos e imagens de satélite desde 1960 das praias do litoral paulista.

 

A pesquisadora esteve em Caraguatatuba para preparar e capacitar os agentes da defesa civil do litoral norte paulista sobre o Sistema de Aviso de Ressacas e Inundações Costeiras para o litoral de São Paulo(SARIC).

 

Em conversa com o noticiasdaspraias  a Dr.ª Célia Regina de Gouveia Souza, adiantou que é preciso um estudo mais aprofundado para saber o que estaria ocorrendo e definir as melhores alternativas para recuperar a praia Martim de Sá. 

 

Ela lembra que até 2017, segundo suas análises, a praia apresentava risco elevado de erosão e que, em 2022, passou a ser classificada como de risco muito alto. A Drª Célia atualiza a classificação das praias paulistas de cinco em cinco anos. Em Caraguatatuba, ela já avaliou as erosões ocorridas nas praias da Mococa e Massaguaçu, na região norte da cidade.   Confira foto abaixo como era antes a Mococa e como está a praia atualmente. Os quiosques, agora de conteiners, foram remanejados para o interior do bairro. 

 

Praia da Mococa, foto de cima como era a praia antes; a foto de baixo mostra como está a praia atualmente

 

Segundo ela, de uma maneira geral, as erosões ocorrem devido às mudanças climáticas, a elevação do nível do mar e as intervenções na faixa litorânea. No caso da Martim de Sá, por exemplo, ela avalia que a erosão teve início em 1999 e 2000 quando houve muita ocupação na área de praia. “O que se faz em cima da faixa de areia acaba interferindo nas condições da praia”, alertou.   

 

Ainda, segundo ela, as prefeituras devem se preocupar pois os eventos conjugados- sobreelevação do nível do mar e ressacas  devem ocorrer cada vez mais. “Levantamentos feitos entre 1928 e 2021 comprovam que 73% dos eventos severos ocorreram neste século”, alertou. 

 

Ela lembra que antigamente as ressacas ocorriam entre abril e setembro e que atualmente ocorrem, até mesmo, nos meses de verão, dezembro, janeiro e fevereiro. E, reforça que, o mar continuará subindo cada vez mais, causando a elevação da maré. 

 

A pesquisadora entende que com relação a praia Martim de Sá é preciso fazer um estudo mais aprofundado para avaliar as causas da erosão e definir as alternativas ideais para a recomposição da sua faixa de areia. O “engordamento” da faixa de areia, sugerido por comerciantes da Martim de Sá, segundo ela, é uma obra cara e depende do estoque de areia de outra praia vizinha para recompor a Martim de Sá. O ideal, segundo ela,seria a realização de estudos antes de se definir as alternativas para recomposição da faixa de areia da praia.     

 

Prefeitura

 

Procuramos a Prefeitura de Caraguatatuba para saber o que a administração estaria fazendo para conter a erosão na praia Martim de Sá. Por meio da Secretaria de Meio Ambiente, Agricultura e Pesca, e setor de Gestão de Orla, a prefeitura informou que realiza o monitoramento das praias do município utilizando imagens de sensoriamento remoto temporais, que está disponível na plataforma Google Earth.

 

Segundo a prefeitura, no que diz respeito à Praia Martim de Sá, não têm sido observados pontos sistemáticos e críticos de erosão. Pelo contrário, são observadas apenas flutuações de curta duração, geralmente associadas à ocorrência de ressacas em sistemas frontais.

 

No que se refere ao engordamento de praia, como observado em Balneário Camboriú, a Prefeitura destaca os diversos problemas associados a essa técnica, que além de ser complexa, requer altos custos de licenciamento e execução. Antes de ser implementado, é necessário realizar uma série de estudo técnico levando em consideração a realidade e necessidade local, uma vez que uma obra dessa magnitude gera múltiplos impactos ambientais. No momento, não foi constatada a necessidade de realizar uma intervenção desse porte. Além disso, a Prefeitura reitera que na atual gestão do Conselho Municipal do Turismo o assunto não entrou na pauta em nenhum momento.

 

Ainda, segundo a prefeitura, além das mudanças observadas na Praia Martim de Sá, é relevante mencionar que estamos entrando no período de El Niño, o qual implica em mudanças significativas nos padrões climáticos, tanto na região sudeste quanto em outras regiões do país. Segundo a prefeitura, esse evento climático também pode exercer influência nas praias do município.

 

Por fim, a prefeitura destaca que a Praia da Mococa também recebeu todos os estudos referentes à readequação de quiosques por meio do Projeto de Intervenção Urbanística (PIU). Os estudos, já colocados em prática, envolveram a substituição das estruturas tradicionais de quiosques por contêineres e recuo com base em estudos prévios, visando evitar áreas em que a areia havia sido erodida devido à maré.

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