Mansão abandonada dos “Keutenedjian” em ilha de Caraguatatuba vira atração turística

Mansão que recebeu a nata da sociedade paulista na década de 50 está abandonada na praia da Cocanha; vândalos levaram todos os móveis e ilha está a venda

Por Salim Burihan

Uma mansão abandonada no topo da Ilha da Cocanha, na região norte de Caraguatatuba, tornou-se uma das atrações turística da cidade nos fins de semana e feriados prolongados. A mansão foi construída pelo empresário armênio Marcos Keutenedjian, uma das famílias mais ricas da capital paulista e recepcionou nas décadas de 50 e 60 a fina flor da sociedade paulista.

Abandonada pelos proprietários, há cerca de 40 anos a mansão foi aos poucos sendo depredada pelos vândalos que frequentavam o local. Os turistas chegam ao local após lerem histórias da mansão no meu blog e no noticiasdaspraias.com  Os visitantes vão até lá para conhecerem detalhes da mansão abandonada que nas décadas de 50 e 60 alojava os milionários paulistas.

Os turistas contratam serviços de barqueiros para levá-los até a ilha que fica em frente a praia da Cocanha. O percurso de barco é feito 10 minutos. Da praia, a caminhada até o alto do morro onde fica a mansão abandonada não é nada fácil. A subida é bem íngreme  e tem cerca de 600 metros de percurso. Apesar do esforço, o passeio vale a pena. Quem vai até lá, não se arrepende. “É um passeio que a gente sempre faz, a vista é maravilhosa”, conta o veranista Antônio Salvador Eliseu.

Ele conta que ao chegar na ilha, vai até o quiosque do Edmilson,  e já deixa encomendado um lambe lambe(marisco) ou um bobó de camarão, tradicionais pratos caiçaras, para consumir com os amigos e familiares após a subida até o alto da ilha onde fica a mansão abandonada.

Na última visita, Eliseu levou o neto Théo Yamanaka Salvador, de 9 anos, o menino ficou encantado com o passeio e as histórias contadas pelo avô sobre a ilha, a mansão e seus antigos proprietários.  Antônio mostrou o que ainda sobrou do jeep importado que era usado para transportar as pessoas lá da praia até a mansão no alto do morro.

Théo teria ficado tão encantado com a beleza do lugar e da maravilhosa vista do alto da ilha, que durante a visita à mansão abandonada, contou ao avô, que vai ser um jogador profissional de futebol de muito sucesso e ganhará muito dinheiro  para comprar a ilha e recuperar a mansão.

A mansão, instalada no alto do morro,  com seus inúmeros quartos e varandas, oferece uma vista maravilhosa das praias da Mococa, Cocanha, Massaguaçu e da Ilha do Tamanduá.

O mato tomou conta da estrada que era pavimentada para o tráfego do jeep do píer até a mansão e, também, dos acessos até a casa do caseiro e ao redor do casarão. Nota-se também, a existência de escorregamentos nas encostas e na estrada causados pelas chuvas.

Ilha  

Ilha da Cocanha, ao lado o Ilhote da Cocanha e mais ao fundo, Ilhabela

A Ilha da Cocanha, que fica muito próxima da praia que leva o mesmo nome, já foi considerada uma das ilhas mais badaladas da sociedade paulista nos anos de 50 e 60  e, chegou a ser cobiçada pelo cantor Roberto Carlos, que mostrou interesse em adquiri-la no final da década de 60. Escrevi essa história no meu blog, com exclusividade, em 2013 e republiquei posteriormente quando o filho do empresário manteve contato para confirmar toda a história que me foi contada pelo João Ité, ainda em vida, e negar, apenas, um suposta blitz do exército na ilha para tentar encontrar armas durante a ditadura. Marcos, o filho do empresário, faleceu em 2021 em São Paulo, aos 60 anos de idade, de parada respiratória.

A ilha, na década de 50, pertencia ao empresário armênio Marcos Keutenedjian, cuja família era proprietária da Varam Motores, uma das empresas pioneiras na indústria automobilística brasileira(leia texto abaixo), do Hotel Danúbio e da Tecelagem Varam( têxtil Vicunha). O empresário, na época, transformou a Ilha da Cocanha em seu paraíso a beira mar. E, em uma das ilhas mais badaladas do litoral paulista.  Naquela  época, Santos era o local preferido dos paulistanos e o Guarujá começava a surgir como uma opção de veraneio a beira mar.

Marcos construiu um belo casarão no topo da ilha, com uma das vistas mais privilegiadas da região. Todo o material usado na construção foi levado de barco até a ilha. O empresário pavimentou o acesso que ia do píer instalado na praia até o casarão no alto do morro e iluminou com um gerador potente a casa, a estrada, a praia e os jardins.  Um jipe importado deixado na ilha fazia o transporte das pessoas entre o píer e a mansão no alto da ilha. Uma fonte abastecia de água o casarão e a casa do caseiro.

O proprietário, o empresário Marcos Keutenedjian, adorava pescarias. Nos fins de semana, reunia a nata da sociedade paulistana na Ilha da Cocanha. Quem me relatou isso foi o caiçara Epifânio de Oliveira Carlota, seu João Ité, que participou da construção da mansão e chegou a ser uma espécie de caseiro do empresário e esteve em pescaria com ele no Amazonas ou Mato Grosso.

Seu João Ité, de uma das mais tradicionais famílias do Massaguaçu, contava muitas histórias sobre a Ilha da Cocanha. Ele contou, por exemplo, que na época do golpe militar em 1964, o exército teria vasculhado a ilha em busca de armamento, mas nada teria sido encontrado. O filho do empresário, entrou em contato comigo para negar que tivesse ocorrido uma blitz do exército na ilha durante a ditadura. “Tudo não passou de uma lenda de mau gosto que surgiu na região”, explicou.

O empresário também adorava caçar e colecionava armas. Consta que a partir do final dos anos 50, seu Marcos decidiu dedicar-se apenas as caçadas na África do Sul, abandonando de vez o Ilhote da Cocanha. Com a morte dele em 2014, a família praticamente abandonou a ilha.

Marcos, filho do empresário, contou que durante muitos anos frequentou a ilha com seus amigos da capital paulista. Ele contou ainda que após a morte do pai tentou regularizar a ilha, mas que teria enfrentando muitos dificuldades junto ao Condephat para regularizar as reformas na casa. Ele conta que desistiu de investir na ilha a partir de 1990. “É uma pena pois tive momentos maravilhosos lá”, afirmou.  Marcos confirmou que o cantor Roberto Carlos chegou a se interessar pela ilha em 1969.

Roberto Carlos chegou a agendar uma visita até o local e teria sobrevoado a ilha, mas de acordo com seu João Ité, o negócio não foi concretizado pois não teria havido acordo na negociação entre as partes. Seu João Ité chegou a cuidar da ilha durante muitos anos. Ele morreu em 2002, aos 75 anos.

Imagens do casarão abandonado. Fotos cedidas por Antonio Eliseu Salvador

Aos poucos, a mansão dos Keutenedjian foi sendo esquecida e abandonada. O crescimento do turismo na região norte de Caraguatatuba acabou levando muitos turistas até a ilha e à mansão que aos poucos foi sendo depredada. Muita gente acabou levando “lembranças” daquela que foi a ilha mais badalada da região.

O engenheiro e empresário de Caraguatatuba, Manoel Ferreira, acabou ficando com a posse do local e colocou a ilha a venda. Consta que a ilha está a venda por cerca de R$ 16 milhões.  Hoje, nos fins de semana, visitar a ilha tornou-se um passeio preferido dos turistas que frequentam a Cocanha. Existe até um restaurante caiçara na única praia da ilha que oferece frutos do mar, entre eles, mexilhões, que são extraídos fresquinhos de um cultivo mantido por famílias caiçaras nas proximidades da ilha.

 

Família Keutenedjian

A família Keutenedjian, que foi proprietária da Ilha da Cocanha, era nas décadas de 50 e 60, uma das mais ricas de São Paulo e do Brasil.  Varam Keutenedjian, pai de Marcos que construiu a mansão na ilha de Caraguatatuba, chegou ao país por volta de 1920. Trabalhou como mascate e depois na empresa Gasparian. Casou-se com umas sócias, dona Claudina. Varam foi um dos pioneiros da indústria automobilística brasileira. Foi proprietário do Laníficio Varam, hoje, Grupo Textil Vicunha e do Hotel Danúbio, que foi considerado um dos mais badalado de São Paulo, que foi desativado, além de inúmeras outras empresas. Em 1948, a Varam Motores produzia em São Bernardo do Campo, conhecida como a “Detroit Brasileira”, automóveis e caminhões Nash.

A Varam Motores S.A., já na segunda metade dos anos quarenta, fazia a importação e montagem dos automóveis e caminhões Nash. O prédio da Varam serviu para a instalação da Simca do Brasil em 1958. Mais alguns anos depois, foi o berçário de todos os Dodge brasileiros.

Os Varam também teriam sido responsáveis pela montagem pioneira no país da Volkswagen, da Fiat, da BMW motos e tratores Ferguson. A Varam Motores foi adquirida pela Simca do Brasil, empresa francesa que no mesmo prédio iniciou a produção de modelos que marcaram época: Simca Chambord (sedan que imitava os “rabos de peixe” norte-americanos), Simca Jangada (perua) e Simca Presidente. A Simca, acabou quando o seu controle acionário foi adquirido pela Chrysler, famosa montadora norte-americana que produziu no Brasil a linha “Dodge” (Charger, Polara, entre outros). No fim dos anos 70, a histórica fábrica da pioneira Varam Motores foi adquirida pela Volkswagen, sua “vizinha da frente” que ali instalou a Volkswagen Caminhões, posteriormente transferida para Resende, no Estado do Rio de Janeiro. Quando a VW caminhões deixou o local, o prédio caiu em situação de abandono, e foi posteriormente demolido, no fim dos anos 90.

 

 

 

 

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