Onu News: Cabo Verde sofre de “todas as formas possíveis” com a poluição plástica

 

País insular lusófono é afetado por dejetos plásticos de 25 países devido a correntes marinhas; representante da nação africana disse que negociação de um tratado internacional para barrar o problema sofre muitos bloqueios de economias produtoras de petróleo.

A negociação por um tratado internacional para combater a poluição plástica ganhou um novo impulso na rodada realizada em Ottawa, no Canadá, no final de abril.

O tema é de grande interesse dos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento, Sids, que sofrem “de todas as formas possíveis e imagináveis” com a poluição plástica, especialmente no meio marinho.

Biodiversidade afetada por plásticos vindos de 25 países

Ao retornar de Ottawa, o ponto focal de Cabo Verde nas negociações e diretor do Departamento de Mudanças Climáticas do Ministério da Agricultura e Meio Ambiente, Florisvindo Furtado, conversou com a ONU News sobre os impactos sofridos no país-ilha.

“Cabo Verde tem recebido plásticos de mais de 25 países. Nós temos uma ilha que é uma reserva integral, onde não há pessoas, só a biodiversidade. Portanto, nessa ilha, que é ilha de Santa Luzia, foi feita uma sondagem e há plásticos chegando de mais de 25 países, portanto plásticos que chegam de lugares inimagináveis. Ou seja, essa questão para as ilhas, qualquer ilha, é fundamental”.

Ele relatou que a poluição transfronteiriça tem um impacto desproporcional nos Sids, no entanto, ressaltou que esta condição de maior vulnerabilidade não está sendo devidamente reconhecida.

“Desrespeito” aos Sids nas negociações

“O que aconteceu nas negociações, que nós vimos e nos deixou bastante preocupados, foi um bocadinho de desrespeito por parte de muitos países, da condição especial dos Sids, que já foi reconhecida pelas Nações Unidas. Portanto, vimos nas negociações muitos países tentarem equiparar-se aos Sids quando os Sids tentam, nos processos de negociação, introduzir no documento questões específicas, sobre benefícios específicos que os Sids devem ter na elaboração do tratado.”

Segundo Furtado, os países insulares defendem que o texto do acordo vinculante deve abordar todo o ciclo de vida dos plásticos, incluindo sua origem e os químicos que são adicionados no processo produtivo.

No entanto, ele ressaltou que essa proposta gera “resistência de vários países produtores de petróleo” e “continua a ser tão polêmica que chegou a atrasar algumas decisões” da negociação.

Batalha para incluir produção de plásticos no tratado

“Passamos algum tempo a negociar essa questão dos polímeros de plástico e alguns países, como mencionei, esses países que mais, digamos, têm dependido de seus produtos, não tinham muito apetite para negociar essa parte do tratado. Felizmente, com algum jogo de cintura, os nossos facilitadores conseguiram avançar mesmo à revelia contra alguns países, e foi se fazendo negociação dessa parte do tratado, que incluía, digamos, a questão dos polímeros de plástico”.

Apesar do avanço, o negociador cabo-verdiano lamentou que o tema dos polímeros, as macromoléculas que compõem o plástico e demoram centenas de anos para se decompor, não foi incluído na pauta das reuniões interseccionais que antecederão a rodada final de negociação, marcada para novembro.

Ele afirmou que este pode ser considerado “um dos maiores fracassos desta negociação”.

Santo Antão, a ilha mais ocidental de Cabo Verde
ONU/Mark Garten
Santo Antão, a ilha mais ocidental de Cabo Verde

Conclusão da negociação “às pressas”

O representante cabo-verdiano expressou preocupação com o fato de que os países insulares não têm tido condições para gerir adequadamente os plásticos devido a condições geográficas, socioeconômicas e por falta de tecnologias adequadas. Para ele, isso reforça a importância de mudanças na produção dos plásticos, para favorecer uma gestão mais adequada.

Furtado afirmou que na condição de uma ilha repleta de biodiversidade, Cabo Verde também pode ser “altamente impactado” pelas redes de pesca que são abandonadas em alto mar. Por isso, ele defende que o tratado internacional disponha de ferramentas para o investimento no processo de remoção e no combate ao abandono de equipamentos de pesca no oceano.

O negociador de Cabo Verde disse estar “seriamente preocupado” com os “muitos bloqueios nos processos de negociação”, que podem afetar o plano de concluir o tratado até o final deste ano.  Para ele, “tentar concluir um tratado às pressas”, também representa um risco, pois muitos temas relevantes para os Sids podem acabar ficando de fora do texto.

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