Núcleo quilombola do Camburi participou de estudo sobre impactos das mudanças climáticas
O aquecimento global é pauta permanente nos noticiários. Além da discussão sobre práticas que contribuem para o aumento da temperatura do planeta, o foco é como esses impactos influenciam diretamente o cotidiano das pessoas.
Com base nisso, representantes de instituições escolheram a Comunidade Quilombola do Camburi para sediar uma pesquisa com foco na influência das mudanças climáticas nos saberes das Comunidades Tradicionais.
O projeto é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e o Net zero, iniciativa internacional com o compromisso de zerar as emissões de gases de efeito estufa na atmosfera para frear o aquecimento global.
“A ideia é trabalhar com comunidades tradicionais pensando em como a cultura e o saber podem se tornar aliados no enfrentamento das mudanças climáticas e consequências, como elevações do nível do mar, mudança nos regimes de chuva, alteração no solo local, inundação de determinadas áreas e assim por diante”, explicou um dos integrantes da pesquisa, o biólogo da Unicamp, João Paulo Silva.
Por que o Camburi?
Em abril de 2022, a comunidade do Camburi sofreu a consequência de fortes chuvas e enchentes e acabou com seus acessos terrestres obstruídos, deixando o local isolado. Por se tratar de uma região em que chove muito e está em escarpas de serra, trata-se de área muito propensa a alagamentos e deslizamentos de terra. Com a modernização, os conhecimentos tradicionais acabam descaracterizados e a comunidade passa a ser menos resiliente e mais dependente de meios externos.
“Ao longo do tempo, o turismo predatório e a especulação imobiliária interferiram muito nas práticas da comunidade. É um povo com extrema riqueza de patrimônio cultural, com festividade, dança, modos tradicionais de subsistência, inserida em uma área de preservação que precisa de mais visibilidade para a reconquistar sua autonomia”, acrescentou Silva.
Resultados
Segundo a historiadora, arqueóloga e coordenadora do Laboratório de Arqueologia Pública “Paulo Duarte” do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Unicamp, Aline Carvalho, o primeiro passo do trabalho foi o mapeamento das grandes ameaças climáticas sobre a região, como riscos de deslizamento, enchentes, e indicadores de como as mudanças climáticas afetam o patrimônio alimentar, como frutas, flores etc. A partir daí, o grupo traçou estratégias para o enfrentamento da comunidade.
“Toda a pesquisa sobre mudança climática e patrimônio foi construída junto com a comunidade – ela participou ativamente na produção de um conhecimento”, enfatizou a pesquisadora.
Aline ainda comentou que outro avanço para a comunidade local é a criação do Núcleo de Proteção e Defesa Civil (Nupdec) no Camburi. “A Defesa Civil é uma peça chave para pensarmos em treinamentos e autonomia da comunidade para lidar com situações extremas. Conseguimos listar 270 pessoas da comunidade e identificar todos os pontos sensíveis com as chuvas. Encaminhamos os dados para a Defesa Civil, que vai basear as rotas de fuga e os pontos de segurança para a população”, disse.
“Conseguimos fazer o levantamento de pontos de emergência e pontos críticos para a comunidade se resguardar e, ainda, receber a visita da Defesa Civil”, complementou o morador Juliano Santana.
Estrutura
São cerca de 10 pesquisadores envolvidos no projeto que pertencem à Unicamp, Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), Instituto Agronômico (IAC) e outras instituições externas de pesquisa somados a representantes da comunidade quilombola, que atua diretamente no levantamento de dados, na construção da memória do Camburi e no mapeamento dos pontos de risco.
Comunidade
Ubatuba é o terceiro município com maior população de remanescentes quilombolas do estado de São Paulo. Atualmente, cerca de 120 famílias moram no Camburi: um território que fica dentro do Parque Estadual da Serra do Mar e parcialmente nos limites do Parque Nacional da Serra da Bocaina, duas unidades de conservação de proteção integral.