Litoral Norte Paulista investe na preservação e recuperação da vegetação de Jundu

O jundu, vegetação nativa, encontrada na areia de algumas praias do Litoral Norte Paulista é considerada muito importante para a proteção da orla, além de servir como abrigo e fonte de alimento para a fauna nativa

 

Por Salim Burihan

 

A presença do jundu, uma vegetação nativa, tipicamente litorânea, que possui de 30 centímetros a 1,50 metros de altura e integra a mata de restinga, ganha cada vez mais espaço e importância na preservação das praias do Litoral Norte Paulista.

Remover ou desmatar jundu é crime. Esta semana, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou dez pessoas que removeram três mil metros quadrados de uma área de proteção permanente de restinga, sem licenciamento ambiental nem autorização dos órgãos competentes, na Praia Vermelha do Norte, em Ubatuba. Os denunciados devem recuperar a mata e ressarcir os danos ambientais, em valores a serem definidos pela Justiça Federal.

Associações amigos de bairros e praias,  entidades ambientalistas, comerciantes a beira mar, caiçaras que atuam na manutenção de jardins nas praias, algumas prefeituras e até mesmo gente famosa, como o bicampeão mundial de surfe, Filipe Toledo aderiram à luta pela preservação do jundu.

A planta, importante para proteger as praias, ou seja o continente, contra os avanços da maré, impedindo as erosões, também, é importante para a sobrevida das aves migratórias que chegam às praias, que serve de alimento e abrigo para repteis e insetos, é usada até mesmo como remédio.

Hoje, a planta é protegida e preservada, mas nem sempre foi assim. No passado, até as prefeituras,  por falta de conscientização, fazia a retirada a vegetação, “para embelezar” a praia e  ainda jogava veneno para impedir o seu crescimento na areia.

Isso ocorria, por exemplo, na praia do Capricórnio, na região norte de Caraguatatuba. A atuação de ambientalistas, associação de moradores e de caiçaras que fazem a limpeza da orla foi importante para recuperar e preservar o jundu. Hoje, a vegetação tá firme e forte na praia. Confira o vídeo:

 

 

O jundu cujo nome científico é escrube, é uma espécie de restinga rasteira, pode ser encontrado em ambientes costeiros, depósitos litorâneos recentes e como cobertura vegetal nas dunas arenosas. O jundu apesar de frágil representa uma eficiente barreira física contra o avanço das marés e garante a proteção contra a erosão provocada pelas ressacas, e serve também, para alimentação de diversas espécies de aves, repteis e insetos.

A restinga é uma vegetação com características peculiares, pertencente da área da mata Atlântica, encontrada no litoral do Brasil. A restinga brasileira é um conjunto de ecossistemas costeiros com comunidades florística e fisionomicamente distintas, as quais ocupam terrenos arenosos de origens muito variadas, formam um complexo vegetacional que ocupam locais como praias, dunas e depressões associadas, cordões arenosos, terraços e planícies.

São reconhecidos três tipos primários dessa vegetação: herbácea subarbustiva, que ocorrem mais nas faixas de praias e anti-dunas; a arbustiva, encontradas nas áreas de planícies litorâneas, como  densos emaranhados de arbustos junto a trepadeiras, bromélias terrícolas e cactáceas, até moitas; e, a arbórea, com florestas mais desenvolvidas.

Descobri, na internet, um trabalho de Viviane de Moraes Araújo, para a Universidade Camilo Castelo Branco, em 2016, sobre vegetação de restinga nas praias do Centro e Deserta em São Sebastião, que uma espécie de jundu usada na medicina popular como tônica e purgativa.

Trata-se da AIpomeapes-caprae, uma planta de restinga, conhecida popularmente como salsa-da-praia. O cozimento das raízes e folhas dessa planta também tem sido utilizada no tratamento do reumatismo e gota. Externamente, a pasta das folhas é aplicada para o tratamento das afecções da pele: feridas, problemas da pele, picada de insetos,  furúnculos e queimaduras, especialmente causadas pelo veneno de água-viva.

 

Conscientização

 

Placas alertam sobre a importância do jundu nas praias paulistas. Foto: Prefeitura de Praia Grande

 

Por estar localizada ao longo da costa brasileira, a vegetação sobre a restinga sempre esteve sob intensa pressão da ocupação humana e consequente alteração da paisagem original, o que dificultava a sua conservação. No litoral norte paulista, nas últimas décadas, a especulação imobiliária e o crescimento desordenado do turismo, acabaram descaracterizando as principais praias.

Hoje,  tenta-se manter e conservar os poucos remanescentes existentes e acelerar  a restauração das áreas degradadas. O trabalho de conscientização feito pelas entidades ambientalistas e o apoio das prefeituras tem sido fundamental para a preservação e manutenção desta vegetação  frágil, mas de grande importância para a proteção das praias, além de servir como abrigo e fonte de alimento para fauna nativa. O jundu ainda protege e evita o avanço da areia da praia sobre a cidade e dificulta o avanço do mar em períodos de ressaca.

Até o início dos anos 2000, o jundu, chegou a ser considerado por leigos como  “um mato” que deixava as praias feias e prejudicava a presença dos banhistas a beira mar. Em algumas cidades do litoral paulista, a própria prefeitura passava o trator para retirar o vegetação e “limpar” a praia. Com o crescimento do turismo e das ocupações a beira mar, a vegetação acabou sendo suprimida da maioria das praias da região apesar de ser uma planta nativa e de sua grande importância ambiental.

Um experiente caiçara-jardineiro, que vive de serviços de manutenção de jardins em frente a Praia do Capricórnio, na região norte de Caraguatatuba, conta que até por volta dos anos 90,  a própria prefeitura retirava o jundu da praia e, em alguns locais, atendendo solicitações dos veranistas, autorizava o uso de veneno para impedir o crescimento da planta para que ela não prejudicasse o acesso a areia da praia e a visibilidade das moradias construídas a beira mar.

Ainda segundo ele, há 20 anos, os proprietários obtinham autorização da prefeitura para uma vez por ano fazer o corte( o remanejo) do jundu para impedir que a planta crescesse e prejudicasse a visibilidade das moradias frente ao mar. Hoje, segundo Rodrigo, a maioria dos jardineiros que prestam serviços aos moradores e veranistas, se recusam  a cortar o jundu, por entenderem a sua importância na proteção da praia e do meio ambiente.

Ele explica que, atualmente, faz apenas a manutenção dos jardins(Foto abaixo), que ficam em frente a praia do Capricórnio, mantidos pelos veranistas. A manutenção dessas áreas é feita pelo menos uma vez ao mês. A despesa é dividida entre os veranistas de cada quadra frente ao mar. Apesar de serem mantidas pelos veranistas, as áreas são públicas.      

Jardins públicos mantidos por veranistas na praia do Capricórnio, em Caraguatatuba

 

Preservação

 

Quiosque Balaio Caiçara, na praia de Massaguaçu, em Caraguatatuba, preserva e orienta sobre a importância do jundu

A luta pela preservação e valorização do jundu teve início a partir dos anos 2000, quando entidades ambientalistas e associações amigos de praias passaram preservar as áreas ainda existentes e a instalar placas orientando os frequentadores das praias sobre a importância da planta.

Em Ubatuba, em 2012, Associação dos Moradores da Lagoinha (SALGA) iniciou um trabalho bem bacana para recuperação do jundu. Em 2019 surgiu na Praia do Sapê, o Projeto Operação Jundu, uma iniciativa dos Moradores e Amigos da Região Sul (Marsul), para recuperação da Área de Preservação Permanente (APP).

Hoje, em Ubatuba, várias entidades e associações vivem se mobilizando para preservar e impedir danos às áreas de jundu. O grupo Tamoio de Ubatuba(Foto abaixo) é um deles. Além de defender a limpeza das praias e rios, tem conscientizado cada vez mais os moradores, veranistas e turistas sobre a importância da vegetação nas praias.

Tamoio de Ubatuba: incentiva o replantio da vegetação durante as principais competições de surfe

O grupo participa de eventos de surfe na Itamambuca e Praia Grande, onde convida os banhistas para participarem do  plantio de jundu. As ações são importantíssimas e conta inclusive, com o apoio do bicampeão mundial de surfe, Filipinho Toledo, natural de Ubatuba, mas que vive atualmente nos EUA.

A educadora socioambiental Lidi Keche, que participa dessas campanhas desde o ano passado explica que “esses eventos proporciona uma experiência enriquecedora e educativa para todos os envolvidos, promovendo uma compreensão mais profunda da interconexão entre o surf, a natureza e a sustentabilidade”.

Nas campanhas do Tamoio de Ubatuba, os surfistas, famílias, comerciantes e os espectadores são conscientizados sobre a importância do plantio da planta Jundu nas áreas costeiras. Filipe Toledo, o bicampeão mundial de surfe, destacou em suas redes sociais no final do ano passado que a proteção da natureza é uma missão pessoal.

 

Filipe Toledo e Lidi Keshe replantam jundu na Praia Grande em Ubatuba. Foto: Tamoio de Ubatuba

“Como surfistas, somos profundamente ligados ao oceano e à natureza. É nosso dever proteger o ambiente que nos dá tanto. Estou entusiasmado por fazer parte deste evento e inspirar a próxima geração de surfistas a serem guardiões do nosso planeta”,  afirma o bicampeão mundial de surfe, Filipe Toledo.

Carlos Rizzo, aos 70 anos, fotógrafo e observador de aves, participa de palestras em escolas de Ubatuba, onde orienta os alunos sobre a observação de aves, sobre a limpeza das praias e da importância da proteção do jundu.

” O Jundu  é importantíssimo para a proteção das praias e, também, para as aves migratórias. Essas espécies de aves não conseguem pousar em arvores, usam o jundu para se alimentar e repousar”, alerta Rizzo.

Na praia de Itamambuca,  que é uma das mais procuradas de Ubatuba, desde 2022, representantes da Sociedade Amigos de Itamambuca e da Associação Ubatuba de Surf (AUS) fazem um trabalho conjunto para recuperar áreas de restinga e de Mata Atlântica.

Em Caraguatatuba, nota-se ao longo dos últimos anos, um trabalho sério da prefeitura local na preservação do jundu nas principais praias da cidade. O jundu pode ser encontrado nas praias do Centro, Camaroeiro, Indaiá, Aruan e Palmeiras, na região sul e ainda em praias como o Capricórnio, Massaguaçu, Cocanha e Mococa, na região norte.   

Na Mococa, caiçaras antigos, como Pedro Caetano, se uniram para cercar uma grande área em frente a praia para proteger a vegetação nativa dos  carros dos moradores, veranistas e turistas que frequentam o local. O único condomínio existente na Mococa, mantém totalmente preservada a sua vegetação de jundu, sem isso, não seria liberada a sua construção.

No bairro Delfim Verde,  na região norte de Caraguatatuba, onde fica a famosa Lagoa Azul, um dos pontos turísticos mais visitados da cidade, a associação de moradores está fazendo um trabalho bem bacana para recuperar uma grande área onde existia a vegetação de jundu.

 

Orla onde o jundu está sendo replantado no Delfim Verde. Foto: Jules Verne.

Segundo Jules Verne, fotógrafo e ambientalista, que mora no Delfim Verde, o trabalho uniu toda a comunidade local. “O jundu é importantíssimo, principalmente, para evitar a erosão em nossa praia, o Capricórnio. Delimitamos a faixa de praia, sinalizamos para conscientizar moradores, veranistas e visitantes e fizemos o replantio para recuperar a vegetação”,  contou.

Replantio

Crianças fazem o replantio de jundu em praia de Ubatuba. Foto: Tamoio de Ubatuba

 

O replantio do jundu vem sendo feito em várias praias da região com o objetivo de preservar a orla e impedir o avanço do mar sobre o continente. Nos últimos 10 anos, várias praias vem recebendo mudas para recuperar as antigas áreas de restinga. Foram e estão sendo plantadas sementes  e mudas das espécies: feijão-da-praia, pirrixiu,  arumbeba, marmeleiro-da-praia, coroa de frade, salsa-da-praia, sóforaplateada, erva baleeira ou maria-milagrosa,  flor-do-guarujá, capim da praia, entre outras.

O projeto de replantio desta vegetação é fundamental para proteger as praias e recuperar a orla, ameaçada pelo constante avanço do mar.  A vegetação de restinga tem o papel de fixar areia e impedir a erosão das praias.

Em Caraguatatuba, o replantio do jundu foi importante para manter a atividade de um quiosque a beira mar na praia de Massaguaçu. Em 2010, uma forte ressaca destruiu o quiosque. Os proprietários decidiram fazer o replantio da vegetação de restinga( que tinha sido suprimida anteriormente) para tentar conter os estragos causados pelo avanço do mar. Deu certo. O quiosque Balaio Caiçara, hoje, um dos mais frequentados da região norte, conscientiza a todos os seus frequentadores sobre a importância da preservação da vegetação.

Apesar de ser uma planta frágil, o jundu é uma vegetação nativa de grande importância para a preservação das praias, além de servir como abrigo e fonte de alimento para fauna nativa. Ele ainda protege e evita o avanço da areia da praia sobre a cidade e dificulta o avanço do mar em períodos de ressaca.

A vegetação tipicamente litorânea possui de 30 centímetros a 1,50 metros de altura e integra a mata de restinga. O Jundu  é importantíssimo também para a preservação das aves migratórias. Essas espécies de aves não conseguem pousar em arvores, usam o jundu para se alimentar e repousar. 

Nas praias, aumentam a cada dia as placas e cartazes destacando a importância da preservação do jundu. Em algumas cidades, moradores, entidades ambientais e até a prefeitura mantém algumas dessas áreas cercadas e protegidas. Nas escolas, nas aulas e nas palestras, as crianças tomam conhecimento da importância do jundu e repassam os ensinamentos aos pais.

Considerada uma das mais importantes especialistas em questões de erosões praial no país, a  Dr.ª Célia Regina de Gouveia Souza, destaca a importância do jundu:

O jundu é o nome popular para denominar a vegetação de praias e dunas frontais. Sua presença em uma praia, ou em parte dela, é uma evidência de que ali a praia está bem em relação à erosão costeira. Essa vegetação, por sua vez, exerce o papel de fixar as areias na parte superior da praia, mantendo ali um estoque importante de areias para quando o mar avançar sobre a praia durante uma tempestade (ressacas ou e marés altas anômalas).
Da mesma forma, ela também vai proteger todas as estruturas antrópicas (casas, quiosques, equipamentos urbanos) que estiverem atrás dela, diminuindo assim o risco de destruição dessas estruturas e de inundação costeira na orla.

 

Prefeituras

 

A maioria das prefeituras da região estão sendo parceiras das entidades e associações amigos de praias na luta pela preservação e recuperação das áreas de restinga nas praias. Apenas, em Ilhabela, a prefeitura local, ainda vê o jundu como um problema(leia texto abaixo).   

A Prefeitura de Caraguatatuba, por meio da Secretaria de Meio Ambiente, informa que as áreas com vegetação classificadas como “jundu”, tecnicamente classificável como vegetação de recobre praias e dunas pela Resolução CONAMA 07/96, constituem-se como Área de Preservação Permanente (APP) por força das disposições da Resolução CONAMA 303/2002, art. 3º, inc. IX-a. 

Segundo a prefeitura, tratando-se de APPs, são áreas especialmente protegidas, onde qualquer intervenção só pode ocorrer nos casos previstos na Lei 12.651/2012, art. 8º, em síntese: utilidade pública, interesse social, intervenções de baixo impacto. 

A prefeitura esclarece que “não existe “manutenção” de vegetação que recobre praias e dunas pois as zonas de orla onde ocorre este tipo de vegetação são classificadas como APP. E que, nesses locais, a principal e única atividade permitida e realizada é a retirada de lixo descartado irregularmente. Ainda, segundo a prefeitura, por se tratar de APP não existem “regras para se tratar”, como determina a legislação ambiental em vigor, a vegetação é preservada. 

 

Prefeitura de Caraguatatuba esclarece que é proibido o corte (manutenção) da vegetação para melhorar visibilidade das moradias frente ao mar

Em relação a praia do Capricórnio e o interesse de moradores em limpar e reduzir a vegetação (jundu), a Prefeitura reforça que as áreas de orla com vegetação recobre praias e dunas são classificadas como Área de Preservação Permanente (APP) por força da Resolução CONAMA 303/2002, art. 3º, inc. IX-a, portanto, o corte dessa vegetação para “ampliar a vista em direção a praia” é ilegal. Além do mais, trata-se de área de domínio da união, sobre gestão do Município, onde qualquer intervenção só pode acontecer mediante autorização formal e específica, e exclusivamente nos casos previstos em lei. 

Por se tratarem de Áreas de Preservação Permanente, as áreas com ocorrência de vegetação que recobre praias e dunas são protegidas, da mesma forma que as demais vegetações classificáveis como Áreas de Preservação Permanente pela legislação ambiental em vigor.

Em Ubatuba, desde 2019, a prefeitura tem procurado alertar os turistas sobre a importância do jundu. Naquele ao, a prefeitura iniciou a campanha “Turista Legal”  com 12 itens que o turista deveria respeitar na cidade, um deles, seria de Preservar o meio ambiente, não invadindo a área de jundu – vegetação característica da cidade que deveria ser preservada.

Em São Sebastião,  em 2013, a prefeitura iniciou um projeto para replantio de jundu em algumas praias da cidade, entre elas, a praia deserta.  O projeto seria estendido, posteriormente, para outras praias. Em 2017, o mesmo projeto foi retomado, na mesma praia, a Deserta.

Em Ilhabela, no ano passado, o atual prefeito Toninho Colucci, arranjou uma baita dor de cabeça ao sugerir durante uma audiência pública, que os moradores retirassem o jundu das praias da cidade, argumentando que a prefeitura não poderia fazer isso pois poderia ser enquadrada em crime ambiental.

O Ministério Público de São Paulo notificou o prefeito de Ilhabela. O MP investiga se o prefeito incitou um crime ambiental. Segundo o MP, retirar o jundu das praias é crime. Incitar a retirada também é considerado crime, com penas que vão do pagamento de multa a prisão de até seis meses.

 

 

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