Ongs da cidade de São Sebastião, no Litoral Norte Paulista, querem que o porto local deixe de exportar cargas vivas devido à crueldade com os animais e ao mau cheiro na cidade; o vereador Marcelo Fuly apresentou projeto neste sentido. Foto Capa: The Guardian
Segundo dados do portal Vessel Finder, que oferece consulta pública e em tempo real à posição e rotas de navios, o Al Kuwait saiu do Porto de Rio Grande, no sul do Brasil, no dia 10 de fevereiro.
Neste mesmo dia, Vinícius Reiter Pilz, sócio da empresa Estancia del Sur, postou um vídeo do navio no linkedin e escreveu: “na última semana, carregamos 100% do Al Kuwait, o mais moderno e um dos maiores navios boiadeiros do mundo”. “Todos os suprimentos do navio foram vendidos pela Estancia del Sur”, completou. Fontes locais confirmaram à Repórter Brasil que a carga era proveniente desse produtor.
A Estância Del Sur tem sede em Capão do Leão, na região sul do Rio Grande do Sul. Em sua página do Instagram, é possível encontrar imagens de embarques anteriores de carga viva, além de frequentes anúncios de interesse em compras de “terneiros padrão exportação”.
A família Pilz é também proprietária de um famoso restaurante em Porto Alegre, a Parrilla del Sur, que serve carne na brasa preparada à moda uruguaia.
Procurado pela Repórter Brasil por meio de email, telefone seus e de suas empresas, Pilz não respondeu. A Parrilla del Sur tampouco se manifestou. O espaço permanece aberto para comentários.
Padrão exportação
O navio Al Kuwait seguiu para seu destino final no Iraque, na madrugada de quarta-feira (21). Segundo a plataforma Marine Traffic, que também fornece dados em tempo real dos navios, são pelo menos mais 13 dias de viagem até o porto de Umm Qasr, no Iraque, onde finalmente serão encaminhados para o abate.
“Cada boi produz em média 30 quilos de esterco por dia, mas sem ter como descartá-los, os animais têm que conviver com fezes e amônia, uma substância tóxica presente na urina”, explica George Sturaro, gerente de investigações da Mercy For Animals (MFA). Segundo ele, as principais causas de morte ao longo das viagens são infecções respiratórias e estresse térmico.
Para Sturaro, as péssimas condições são inerentes a essa modalidade de exportação: “É um curral flutuante, não tem como assegurar o bem estar animal”, avalia. Segundo registros fotográficos obtidos pela Mercy for Animals, os animais estavam amontoados em meio a fezes e urina.
Acidentes
Com base em dados da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), a Mercy for Animals estima que o Brasil exporte 300 mil cabeças de gado em pé a cada ano por via marítima – o que torna o país o segundo maior exportador de bois vivos do mundo, abocanhando 15% do comércio internacional.
Bois exportados vivos pelo Brasil foram vítimas de ao menos dois graves acidentes marítimos. Em 2012, mais de 2 mil animais morreram asfixiados durante a viagem em decorrência de uma pane no sistema de ventilação. Embarcados no Porto de Vila do Conde, no Pará, os animais pertenciam ao frigorífico Minerva e tinham por destino o Egito.
Em 2015, outro navio com bois fornecidos pela Minerva afundou nos terminais de carga da Vila do Conde. A maior parte dos 5 mil bois não sobreviveu – muitos morreram afogados ou presos dentro da embarcação. A decomposição dos corpos dos animais e o vazamento de óleo do navio provocaram um desastre ambiental na região.
São Sebastião
Entidades ambientalistas da cidade de São Sebastião, no litoral norte paulista, atuam para que a exportação de cargas vivas pelo porto local seja proibida. O porto local e um dos poucos no país exportar cargas vivas. Além do porto de São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, as exportações de animais vivos também são feitas pelos portos de Rio Grande (RS), Imbituba (SC) e Vila do Conde (PA).
No ano passado, foram 200 mil cabeças exportadas e este ano, cerca de 10 mil, com destino com destino à Turquia, que posteriormente, distribui os animais para outros países como Egito, Iraque, Palestina, Argélia, Emirados Árabes, Jordânia, Líbano, Irã e Marrocos.
“A cidade não lucra um centavo, mas as empresas faturam 7 mil euros por cada animal exportado pelo porto, conforme comentou o representante da Minerva, uma das empresas que exportam animais por São Sebastião”, contou João Carlos Pereira Júnior, membro do movimento social que reivindica o fim de exportação de cargas vivas pelo porto de São Sebastião. A Minerva é uma multinacional brasileira responsável pelo embarque de 60% dos animais vivos para o exterior.
As entidades ambientalistas contrárias ao embarque de cargas vivas consideram a atividade cruel e estressante para os animais. A viagem de navio entre São Sebastião e a Turquia pode durar de 18 a 20 dias. Segundo João Carlos, o transporte de gado vivo é realizado de forma cruel, por longas distâncias, que pode durar semanas até o destino final.
O presidente da Câmara Municipal de São Sebastião, Marcos Fully(DEM), protocolou no último dia 6, um projeto de lei de sua autoria, que pretende barrar a exportação de cargas vivas através do porto da cidade. O projeto deverá ser votado no dia 6 de maio.
O projeto atende uma reivindicação das entidades não governamentais do município e de todo o país que cobram o fim das exportações de animais vivos nos portos brasileiros, principalmente, devido à crueldade sofrida pelos animais. No caso de São Sebastião, argumenta-se ainda que a exportação não traz benefícios, apenas danos ao município.
Edição: Naira Hofmeister