Comunidade caiçara de Ubatuba reivindica instalação de energia elétrica há mais de 50 anos

A  800 metros da comunidade da praia do Peres existe energia elétrica que abastece os condomínios da praia da Lagoinha.  Comunidade quer o prolongamento da rede de energia. Moradores dependem de gelo para manter alimentos e o peixe capturado e usa vela ou lampião à gás para iluminar as casas

 

Por Salim Burihan

Os moradores e veranistas da Praia do Peres, na região sul de Ubatuba, vivem sem energia elétrica. Eles cobram há muitos anos da prefeitura e da concessionária Elektro a implantação de energia na comunidade, mas até hoje, não foram atendidos.

A Praia do Peres fica a 26 quilômetros do centro da cidade e a 800 metros do canto direito da Praia da Lagoinha. O acesso ao Peres é feito de barco ou por uma trilha, que, segundo os moradores, não recebe manutenção da prefeitura há muito tempo.

 

Praia do Peres, ao fundo, a Lagoinha, último poste de energia fica a 800 metros de distância

 

Existem cerca de 60 residências na Praia do Peres, metade pertence as famílias  caiçaras, a outra metade, pertence aos veranistas. A falta de energia elétrica prejudica a todos, moradores e veranistas

As famílias caiçaras que vivem e dependem da pesca usam gelo e armazenam em isopores os alimentos da família e o pescado capturado. Para iluminar a casa, utilizam velas e lampiões a gás. 

Os veranistas utilizam geradores e placas de energia solar para ter acesso à eletricidade que mantém o funcionamento de geladeira, televisores, luzes e ar condicionado. 

Moradores e veranistas não se conformam com o pouco caso da prefeitura e da concessionária de energia, a Elektro. E, não é para menos, o último poste com energia elétrica fica a menos de 800 metros da praia do Peres, na vizinha praia da Lagoinha, onde a energia abastece condomínios sofisticados e toda a orla.  

Segundo Thais Galbiati, uma antiga veranista, que hoje, casada com o caiçara Irineu de Oliveira, se tornou moradora da Praia do Peres, a comunidade continua com o mesmo problema, sem energia, pois a concessionária e a prefeitura não se sensibilizam com a situação das famílias que vivem no local. 

“É um absurdo uma comunidade viver sem energia elétrica nos dias de hoje, sendo que existe energia há menos de 1 quilômetro de distância. Basta apenas prolongar a fiação e instalar os postes. A energia elétrica é fundamental para o desenvolvimento social das famílias”, argumenta Thaís.

 

O caiçara Irineu de Oliveira(Foto) conta que todos os dias pela manhã cedinho compra o gelo que usa para manter o alimento da família e os pescado capturado. Ele, além da pesca, mantém um cultivo de mexilhão, que ajuda a complementar a renda da família.

Antes, os moradores tinham que ir de barco até as praias da Lagoinha ou Maranduba para comprar o gelo ou percorrendo a trilha entre a Lagoinha e o Peres., carregando os sacos de gelo nas costas. Hoje, tem fornecedores que chegam de barco para vender o gelo aos moradores cobrando em media R$ 20,00 o saco.

Segundo Oliveira, os caiçaras gastam em média de R$ 600,00 a R$ 1.200,00 mensalmente apenas com gelo.  Ou seja, um custo muito elevado para as famílias que vivem da pesca.  Os moradores lembram que quem vive na cidade, mesmo,  com maior consumo de energia, não gasta  mais de R$ 300,00. 

Irineu conta que muitos antigos moradores que lutaram pela implantação da energia no Peres acabaram morrendo sem ver a luz chegar na praia. Entre essas pessoas estão seu pai, seu Constantino, falecido em 2013, aos 87 anos e seu Joãozinho, falecido em 2021, aos 75 anos. 

 

Seu Joãozinho, morreu em 2021, aos 75 anos, sem ver a luz chegar ao Peres

A moradora Thaís recorda que há uns 20 anos atrás, representantes do Ministério das Minas e Energia teriam ido até o Peres para divulgar o programa Luz para Todos, programa de políticas públicas dos mais importantes do governo Lula, lançado em 2003.  “Eles chegaram na comunidade, distribuíram camisetas do programa e chegaram a marcar os locais onde seriam colocados os postes. “Criaram muita expectativa, mas nada foi feito até agora. Por sinal, a gente nunca recebeu a visita de um prefeito por aqui para ver de perto as nossas dificuldades”,  disse Thaís.

“Quanto saco de gelo essa comunidade já carregou nos ombros por estas trilhas silenciosas? Quantas noites intranquilas de tempestades no mar sem uma luz na varanda para guiar os filhos de volta ao lar?!  E a luz ali tão perto… a menos de um quilômetro… Do lado dos condomínios há luz demais até, exageradamente iluminando suas vaidades e seus consumismos urbanos despejados em rios e praias. Afastando os peixes. Rareando as redes. Dos dois lados, há luz. No meio, a comunidade como uma ilha no escuro. Esquecida”,  escreveu a caiçara Dara Oliveira, moradora do Peres, através de suas redes sociais. 

Segundo Dara, a comunidade caiçara da Praia do Peres, no sul de Ubatuba, luta há décadas pelo direito à luz elétrica,  direito garantido pela Constituição Federal e pelo Decreto 6.040/07 (Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais) além de diversos outros instrumentos jurídicos nacionais e internacionais. 

Segundo Thaís, a comunidade do Peres conta com o apoio da procuradora da República, Walquiria Imamura Picoli e do promotor Wagner Giron de la Torre, da Defensoria Pública de Taubaté, que já conseguiram aprovação ambiental da Cetesb, que em novembro, autorizou a supressão de vegetação nativa para a instalação dos postes entre a Lagoinha e o Peres.

Ela conta que em períodos de fortes chuva a comunidade teve muitos problemas como a interdição da trilha que dá acesso a Praia do Peres, devido a queda de árvores e de encostas, mas que os moradores tiveram se virar sozinhos, na abertura de uma nova trilha. Os moradores que não possuem barco e as crianças que estudam nos bairros da Maranduba ou Sertão da Quina usam a trilha e ônibus circular para irem às aulas diariamente. 

O sinal de internet é bom na praia do Peres. Os moradores usam energia solar ou geradores para carregarem seus aparelhos. Quem usa energia solar nos dias de chuvas fica sem poder usar equipamentos como geladeira e máquina de lavar porque não existe energia suficiente.

Em caso de urgência médica, eles usam barcos ou a trilha para se locomoverem até os pronto socorro da Maranduba ou o hospital no centro de Ubatuba.  Segundo Thaís, cada família cuida da coleta, armazenagem e destinação do lixo doméstico que é levado pela trilha ou de barco até os containers que atendem a Salga(Sociedade Amigos da Lagoinha) e é recolhido pela prefeitura.

 

Prefeitura

 

O portal Notícias das Praias procurou a prefeitura municipal de Ubatuba para saber como anda a reivindicação dos moradores da praia do Peres sobre a implantação de energia no local ou se existe algum estudo para prolongamento da rede de energia da Lagoinha até a praia. A prefeitura sugeriu apenas que o portal procurasse a Concessionária Elektro, responsável pela distribuição de energia em Ubatuba.

Com relação a manutenção da trilha, a prefeitura informa que a reclamação dos moradores  não procede, pois foi a Defesa Civil que retirou a última árvore que caiu sobre a trilha, e o órgão possui  R.A da ocorrência. Segunda a prefeitura, imediatamente, a defesa civil abriu uma trilha ao lado da árvore, devido ao seu grande porte e porque não havia equipamentos disponíveis para efetuar a retirada no momento. Posteriormente, segundo a prefeitura, eles contaram com a ajuda de um rapaz que trabalha com artesanato na praia do Perequê que tinha uma motosserra e ajudou a retirar a árvore e conseguiram finalizar o serviço.

Elektro

Conversamos com o gerente da concessionária Elektro em Ubatuba, Vinicius Ferraro. Ele adiantou que o processo para prolongar a instalação de energia da Lagoinha até a praia do Peres está parado devido a questões ambientais. Segundo ele, tudo indica que para se instalar postes e a rede elétrica até o Peres haverá necessidade de supressão de vegetação nativa e isso ainda estaria sendo regularizado.  

Ferraro pediu que o portal entrasse em contato com a assessoria de imprensa da Elektro. A resposta veio na segunda-feira, dia 18. A concessionária informa que solicitou autorização ao órgão ambiental para poder proceder às ligações pretendidas na Praia do Peres, em Ubatuba. O pedido estaria sendo analisado pela CETESB. Segundo a Elektro, após a obtenção da autorização, ainda há os prazos internos para a efetiva implantação da rede no local. A concessionária não informou prever quando será iniciada a implantação da energia elétrica na praia do Peres, após a autorização por parte da Cetesb.

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