Rádio Yandê: a primeira web rádio indígena do Brasil comemora 10 anos

Por Juliana Afonso e Lucas Bois, da IJNET- Rede de Jornalistas Internacionais

“Hai amoite ndoikua’ai mbaeve/ Korap oguarê amoite tenonde/Apuka penderehe, nde ave reikotevê/ Che ñe’e avamba’e oi chendive”

Você entende o que está escrito acima? Esse é um trecho da música Koangagua, do Brô MC’s, grupo de rap formado por integrantes indígenas Guarani-Kaiowá. Essa é uma canção que não circula pelos circuitos comerciais e que você possivelmente não escutaria sem uma busca ativa. Existe um espaço, porém, que se dedica a transmitir músicas, notícias, entrevistas e programas, feito por e para as etnias indígenas brasileiras: a Rádio Yandê, a primeira web rádio indígena do Brasil.

No ar desde 2013, a Rádio Yandê tem como objetivo difundir e potencializar a cultura indígena. “Usamos as ferramentas midiáticas para construir memória e história e preservar nosso patrimônio material e imaterial”, afirma Anápuáka Tupinambá, um dos fundadores, junto a Renata Tupinambá e Denilson Baniwa. Para alcançar essa proposta, eles contam com correspondentes em todo o território nacional em uma programação que dura 24 horas, 7 dias por semana.

 

O pajé Karai Tataendy, da aldeia do Rio Silveira, em São Sebastião, no Litoral Norte Paulista, considera a rádio um veículo importante para a divulgação da cultura, das tradições, do dia a dia das aldeias e dos problemas que afetam os indígenas em todo o país, como as invasões em terras das aldeias. “A rádio, além de integrar as aldeias de todo o país, também, pode fazer chegar até as autoridades brasileiras ações que possam colocar os indígenas em risco”, comentou Karai.

 

Neusa kunha Taqua , vice Cacique da aldeia Tekoha DJey , em Paraty, na costa sul fluminense do Rio de Janeiro, parabenizou a emissora pelos 10 anos de atividade. “Vim desejar parabéns para rádio Yandê pelo anos de trabalho. Esse veículo de comunicação permite nos dar espaço para os povos indígenas mostrar nossa realidade, nossa cultura e nossas lutas . Através da rádio, podemos mostrar para a sociedade o que os povos indígenas vem enfrentando dentro da política, do estado brasileiro da qual é necessário ouvir a verdade do povo que somos nós , quero aqui agradecer imensamente pelo espaço e carinho e mais uma vez parabéns e juntos lutando por mais verdade é pela democracia”, afirmou a vice cacique.

 

“A Rádio Yandê é o resultado de uma reflexão sobre a comunicação indígena no país”, afirma Anápuáka. Sua curiosidade com o tema começou aos  6 anos de idade, ainda na década de 1980, quando ouvia o Programa de índio, da Rádio USP, apresentado por Ailton Krenak. “Naquele momento eu fiz uma pergunta pra mim mesmo: quando nós teríamos uma mídia própria no Brasil?”.

 

Natural da cidade de São Paulo, Anápuáka se mudou para o Rio de Janeiro, onde teve a oportunidade de trabalhar em rádios comunitária, regional, alternativa e comercial. As vivências no ambiente de trabalho, junto às vivências pessoais e culturais, o levaram a ampliar a sua percepção sobre comunicação e sobre a importância de criar uma mídia capaz de abranger a população indígena brasileira.

 

O desafio guarda grande relação com a letra da música Koangagua, que significa “nos dias de hoje” em guarani e fala sobre as dificuldades de fazer rap em língua indígena. Apesar de existirem pouco mais de 200 línguas indígenas no Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são poucas as iniciativas que buscam promover a linguagem, a arte e a cultura das etnias.

 

Produzir uma rádio indígena significa respeitar as formas indígenas de viver, escutar e contar suas histórias. Diferente das rádios tradicionais, onde a cada 3 músicas toca uma notícia ou um comercial, a Rádio Yandê mantém uma grade de programação bastante singular. “O rito não se edita. Se eu tenho um áudio de um pajé falando durante 3 horas, a gente bota o pajé falando 3 horas. Isso é respeito à fala, respeito à cultura, respeito à diversidade”, afirma Anápuáka.

 

A programação da Rádio Yandê conta um acervo de músicas, entrevistas e notícias que se repete a cada 72 horas. A escolha pelo conteúdo atemporal tem o objetivo de transmitir uma mensagem que pode ser escutada no futuro e, ainda assim, transmitir informações importantes. “A gente não está repetindo [a programação], estamos fixando conhecimento. É assim que as tradições orais funcionam, você faz repetição da história na memória ao redor da fogueira, contando os causos, e isso mantém viva a memória de um povo”, diz Anápuáka.

 

A Rádio Yandê recebe conteúdo de diversas etnias e hoje conta com cerca de 20 colaboradores em todo o país. Apenas indígenas podem contribuir com a rádio, o que reforça a identidade e o conceito definido como “etnomídia”. Esse termo se refere ao empoderamento cultural e étnico através da comunicação, no qual os povos assumem o papel de serem seus próprios interlocutores.

 

Desafios diários e históricos

 

Os povos indígenas enfrentam desafios significativos, incluindo questões relacionadas à posse da terra, direitos humanos, saúde e educação. A criação de meios de comunicação próprios é algo novo e desempenha um papel significativo na resistência e preservação das identidades culturais desses povos.

 

A equipe já enfrentou ataques de hackers e monitoramento da polícia federal. “A gente nunca teve uma uma rádio comercial ou utilizou uma frequência modulada. Vale lembrar que os povos indígenas sempre foram atacados pela cultura não indígena, pelo processo de colonização. Desde 1500 que o holocausto indígena está em permanência. Indígenas são mortos no Brasil por serem indígenas”, diz Anápuáka. “Então como que a gente ia conseguir uma concessão de rádio oficial dentro de um processo onde quem faz a concessão é o Estado?”.

 

Além da falta de apoio do estado, há também dificuldade de patrocínio. “Toda vez que eu levava o projeto para rodadas de negócio as pessoas perguntavam: ‘índio consome produto? Mas índio não vive no mato?’”, relembra Anápuáka, que afirma ter passado por diversas situações de racismo.

 

A Rádio chega aos 10 anos promovendo a conexão entre diferentes etnias indígenas. “Têm indígenas que nunca conheceram uma população do Sul, porque estão no Norte, e de repente você começa a ouvir contos, histórias, entrevistas e conteúdos produzidos em outro território”, diz Anápuáka. A Rádio Yandê ampliou a influência desses povos tanto online quanto offline, favorecendo um espaço propício para a participação de comunicadores, artistas e intelectuais indígenas de todo o país. A missão da rádio se confunde com a do sentido de seu nome, Yandê, que significa “nós” na língua Tupi.

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