Comunidades tradicionais das ilhas de Búzios e Vitória, pertencentes ao arquipélago de Ilhabela, vivem crise hídrica

Por Ana Patrícia Arantes/da FunBEA(Fundo Brasileiro de Educação Ambiental. Foto Capa: Viviane Costa Oliveira

Quem poderia imaginar que comunidades tradicionais , em sua maioria formadas por um pequeno número de pessoas, pudessem correr o risco de uma crise hídrica?

Essa é a atual realidade de duas comunidades, uma na Ilha de Búzios, localizada na face nordeste do município de Ilhabela, e a outra na ilha de Vitória, localizada na face norte do município.

“Somos 23 famílias. Já está difícil aguá pra fazer comida, lavar uma louça, tomar um banho. A gente tenta economizar o máximo que puder para não faltar de vez. Nós estamos passando pela estiagem e este ano está sendo pior pela falta de chuva”, relata a moradora Viviane Costa Oliveira, jovem ativista da Ilha de Vitória.

No momento eles estão consumindo água de uma nascente. Porém precisam esperar a caixa d’água encher 100 litros, e isso acaba em um dia. “ Deixamos juntar para retirar, porém estamos recebendo água da Prefeitura de Ilhabela, por que agora não dá mais pra fazer tudo com a água da nascente”, alerta Viviane.

Na ilha de Búzios, na comunidade da Guanxuma, a situação também está delicada. Os poços utilizados pela comunidade estão secos e as nascentes também. São 22 famílias – cerca de 80 pessoas, que também estão com dificuldade de acesso à água. “Usamos água para tudo!”, diz dona Katia Regina Guimarães , moradora da Ilha, que está buscando resolver a situação junto com os moradores e já apresentou a proposta na Prefeitura para esta situação emergencial – fazer a captação de duas nascentes localizadas na costeira, por uma caixa d’água que distribua mangueiras para as casas. “Pedi para a Prefeitura colocar mangueiras e uma outra caixa instalada na metade do caminho e dar água para as pessoas”.

A situação frágil do acesso à água nestas ilhas não é recente. Um estudo, elaborado em 2004 – Mapeamento e Caracterização Socioambiental das Ilhas Ocupadas do Litoral Norte do Estado de São Paulo realizado pela Funcate – Fundação da Ciência, Aplicações e Tecnologias Sociais, com financiamento do Fundo Estadual de Recursos Hídricos, já apontava a situação do abastecimento nas ilhas.

”A questão do abastecimento de água é premente pois, apesar de todos terem acesso à água, esta é captada de nascentes sem comprovação de sua qualidade. Em função disso seria importante realizar um levantamento das possíveis doenças causadas por veiculação hídrica. Além disso, procurar o atendimento com implantação de sistemas sanitários para disposição e tratamento dos esgotos”. Estes e outros dados compõem o relatório do estudo.

O estudo atentou também que naquela época, as captações eram realizadas diretamente das nascentes, apenas com mangueiras ligadas diretamente às casas, sem passar por uma caixa d’água e tratamento algum. E também uma grande parte dos moradores não tinha um sistema de filtragem.

Apesar de terem autonomia na captação da água, as comunidades precisam de orientações para potencializar o seu uso, proteger as nascentes e conseguir manter a disponibilidade e qualidade hídrica das captações.

Para Semíramis Biasoli, secretária geral do FunBEA, a ausência de processos educadores ambientalistas para a gestão comunitária das águas em comunidades que não tenham acesso ao serviço da concessionária de saneamento local, é um ponto de extrema importância e deve ser trabalhado diretamente nestas comunidades.

Na região do Litoral Norte de SP, segundo dados do Comitê de Bacias Hidrográficas do Litoral Norte, o uso da água pelas captações alternativas chegam a mais de 40%.

“Os dados são preocupantes para abordagens convencionais, mas na perspectiva de aproveitar o potencial local temos uma alternativa para pensarmos sobre a gestão comunitária de águas e garantir a presença destas comunidades tradicionais em seus territórios, como cuidadores dos recursos hídricos”, finaliza Semíramis.

COMUNIDADES TRADICIONAIS E ÁGUA

Esta é a caixa d’água que fica na costeira de Ilha de Búzios, com 5 mil litros. A moradora Kátia Ribeiro indica como alternativa para suprir a demanda da comunidade que está sem água. Imagem: Katia Ribeiro

As ilhas fazem parte do Parque Estadual de Ilhabela, sendo assim o suporte às comunidades tradicionais ficam sobre a atuação da Fundação Florestal que não especificou nenhum projeto ou programa de gestão do uso dos recursos hídricos na ilha porém esclareceu que atua nestas comunidades desde 1977 a fim de promover e executar ações integradas voltadas para a conservação ambiental, a proteção da biodiversidade, o desenvolvimento sustentável, suporte às comunidades tradicionais e o reflorestamento de locais ambientalmente vulneráveis. E sobre a situação atual disse que atuará em parceria com a administração municipal para que a questão seja regularizada.

A prefeitura de Ilhabela e Sabesp como situação emergencial realizou nos dias 19 e 20 de setembro uma ação conjunta para levar 12 mil litros à Ilha da Vitória. Segundo informou, foram levadas também oito caixas para armazenar e distribuir a água aos moradores. Oito contêineres de mil litros cada foram utilizados para o transporte, além de mais 4 mil litros reservados no barco que fez o deslocamento.

Prefeitura e Sabesp com ação de emergência para transporte de água na Ilha Vitória. Imagem: Assessoria de Comunicação Prefeitura de Ilhabela

Esse tipo de ação é feita toda vez que tem necessidade, afirmou a Prefeitura. Sobre outras estratégias de ação a longo prazo ou uso de algum potencial recursos como Fundo Municipal de Saneamento para envolver as comunidades na gestão compartilhada da água, a Prefeitura não respondeu.

O FunBEA já está a cinco anos atuando com processos educadores ambientalistas para a gestão dos recursos hídricos no litoral de São Paulo e atualmente lançou o Círculo Territorial pela Reparação Socioambiental do Litoral Norte com o objetivo de envolver e mapear instituições e iniciativas para a busca de recursos possibilitando aportes para ações locais.

“Precisamos colher informações, sobretudo com quem vem passando por essas situações de fragilidade territorial, seja por falta de um apoio na gestão das águas, seja por consequências climáticas, para construir conhecimento, conceber planos de contingência mais eficazes e gestão comunitária das águas. É necessário haver diálogo, sair da inércia e buscar recursos.” finaliza Semíramis Biasoli.

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