O Navio de Pesquisa do CEPSUL/ICMBio, Soloncy Moura, que está em Alcatrazes para mais um cruzeiro de pesquisa, já concluiu a primeira etapa da expedição que tem como objetivo ampliar o conhecimento sobre os peixes do arquipélago, apoiar no manejo do coral-sol e na fiscalização da pesca ilegal. Fotos: Isaac Simão/ICMBio.
O grupo embarcado é composto por servidores do ICMBio e pesquisadores do Cebimar e Instituto Oceanográfico da USP. A Chefe do ICMBio Alcatrazes, que gere a Estação Ecológica Tupinambás e o Refúgio de Alcatrazes, Kelen Leite avalia os resultados.
“A primeira etapa da expedição com o navio Soloncy Moura foi dedicada ao manejo do coral-sol. Nos primeiros 5 dias de expedição foram retirados 596kg do coral invasor do Arquipélago dos Alcatrazes. O Navio também apoiou a fiscalização da pesca ilegal. Para nossa surpresa as condições de tempo e mar estavam ótimas e a expedição teve ótimos resultados. Agora seguimos com as pesquisas sobre os peixes para estimativas de biomassa e levantamento de espécies crípticas e de fundo”, falou.
Além dos Recifes
A ictiofauna recifal (ou comunidade de peixes recifais) do arquipélago dos Alcatrazes atrai a atenção de pesquisadores e turistas, por sua riqueza, beleza e acesso através de mergulho livre ou autônomo. Apesar disso, poucos são os estudos que têm um olhar para a ictiofauna demersal além dos recifes. Essa comunidade é importante, tanto do ponto de vista ecológico como econômico, porque sustenta pescarias fora do limite da área protegida. As áreas além dos recifes são utilizadas por muitas espécies como áreas de desova (berçários) ou de crescimento e alimentação (infantário). Alcatrazes também abriga espécies com diferentes graus de ameaça.
“O que sabemos sobre as espécies de peixes que vivem além dos recifes rochosos de Alcatrazes? O conhecimento dessa biodiversidade de peixes ultrapassa o das listas de espécies, e se fundamenta no entendimento do uso que essas espécies fazem desse sistema particular: qual a função de Alcatrazes para as espécies de peixes?
Essa pergunta só pode ser respondida quando associamos o mapeamento da superfície de fundo, reconhecendo habitat disponíveis, bem como sobre a ocorrência de peixes jovens, adultos e adultos desovantes, e seus hábitos alimentares. Conseguir essas informações não é tarefa fácil!”
Em 2011 foram realizados estudos sobre a ictiofauna demersal, ou seja, aquela que depende da superfície de fundo para sua alimentação ou reprodução, da região de Alcatrazes, através da captura e coleta de peixes demersais da região, num primeiro levantamento ecológico mais amplo. Esse levantamento, fruto de uma parceria do ICMBIO e do Instituto Oceanográfico da USP (IO-USP) serviu como um dos muitos subsídios necessários para a implementação do Refúgio de Alcatrazes. Depois disso, mais dois levantamentos foram realizados em períodos distintos, pelo IO-USP, que mapearam a superfície de fundo e estudaram a ictiofauna demersal, revelando a existência de mais de 230 espécies de peixes. Algumas dessas espécies são estruturadoras da região, mas outras estão associadas à entrada de uma massa de água fria e rica em nutrientes no verão, que aumenta a produtividade geral do sistema e traz aquelas espécies com tolerância a águas mais frias.
Agora, em 2023, a mesma embarcação de 2011, o Navio de Pesquisas Soloncy Moura, do ICMBIO, retorna ao arquipélago para um novo cruzeiro oceanográfico, numa nova parceria ICMBIO-IO-USP, que gerará mais informações sobre possíveis alterações na estrutura da comunidade e complementará estudos sobre a ocupação da área por espécies de peixes demersais.
“A ictiofauna demersal além dos recifes é quase invisível, pelo difícil acesso a regiões mais profundas ao redor do arquipélago. Porém, esta ictiofauna está protegida pelo Refúgio de Alcatrazes e pela ESEC Tupinambás, duas unidades de conservação de proteção integral, que podem assegurar um menor impacto das ações antrópicas, como pesca e poluição. A manutenção dos serviços ecossistêmicos marinhos e do papel socioeconômico de Alcatrazes está ligada ao entendimento das espécies chave para a biodiversidade local.” explica a pesquisadora June Ferraz Dias.
Outra linha de pesquisa que será realizada na expedição é o levantamento de espécies de hábito críptico, e espécies de ambientes profundos, conhecidos como recifes mesofóticos, devido baixa intensidade de luz. O estudo de espécies crípticas, aquelas de pequeno tamanho (< 5 cm) e que vivem escondidas entre as frestas do recife, tem revelado muitas espécies desconhecidas pela ciência. Análises da diversidade genética têm mostrado que espécies consideradas de ampla distribuição são na verdade endêmicas, ou seja, exclusivas de localidades específicas do Brasil. O estudo dos peixes de fundo é extremamente importante pois os recifes mesofóticos abrigam espécies singulares e desconhecidas. Algumas espécies comerciais, que também ocorrem em recifes rasos, acabam necessitando de recifes mais profundos para agregações reprodutivas. Este é um ambiente importante para atividades científicas, uma vez que pesquisadores conseguem compreender como as comunidades naturais reagem aos diversos impactos humanos nas áreas não protegidas, explica Hudson Pinheiro, pesquisador do Cebimar/USP.
“O apoio do navio Soloncy Moura é fundamental para a realização dessas pesquisas em ambientes mais profundos e difícil acesso, essenciais para compreender melhor esses ambientes e embasar estratégias de conservação para a conservação marinha efetiva” esclarece Kelen Leite.