Praia considerada uma das mais visitadas e charmosas do Litoral Norte de São Paulo é “artificial”

Uma pequena praia na região norte de Ubatuba, construída por um empresário na década de 80, vem sendo uma das mais visitadas no litoral norte. A praia, conhecida como praia do Português, no Félix, surgiu após o desmonte das rochas de uma costeira. O acesso é através do mar, de barco, ou por uma trilha, percorrida apenas, durante a maré baixa. Fotos: Praia do Português/ PMU

 

Por Salim Burihan

 

Uma pequena praia do litoral norte paulista vem encantando nos últimos anos veranistas e turistas que frequentam a região. A praia, com cerca de 25 metros de extensão, tem águas claras e mansas, ideal para o banho de mar, principalmente, durante o verão. Apesar de ser um das mais visitadas da região, a praia, na verdade, não existia até o final dos anos 70, quando foi “construída” por um empresário paulista. Entre as centenas de praias existentes em São Sebastião, Caraguatatuba, Ubatuba e Ilhabela, essa praia seria a única “artificial” na região.

 

Estamos falando da praia do Português, também, conhecida como prainha do Félix, que fica na região norte de Ubatuba. Apesar da dificuldade de acesso, a praia do Português, vem sendo muito visitada, segundo a Secretaria de Turismo do município.  Até mesmo, o Governo do Estado, “pegou carona” no sucesso da praia e usa a imagem do local no vídeo que divulga a retomada do turismo no Litoral Norte após a tragédia das chuvas de fevereiro.

 

Sempre existiram comentários de que a praia do Português não existia e teria sido “construída ou aberta” por um veranista que residia em frente a praia. O Notícias das Praias decidiu pesquisar a verdadeira história dessa praia, que tanto encanta veranistas e turistas.

 

O portal ouviu pescadores e moradores antigos; localizou no interior da Bahia, o profissional que “cortou” a costeira”; e,  conseguiu identificar o empresário que “desmontou as rochas”, que infelizmente, faleceu em 2020, mas obteve com seu filho toda a história sobre a construção de sua própria praia.

 

A praia leva esse nome em homenagem ao empresário Humberto de Souza Carvalho, falecido em 2020, aos 97 anos, que foi quem “construiu” a pequena praia em frente a sua propriedade, que fica no canto direito da praia do Félix, região norte de Ubatuba.

 

Apesar de ter sido “aberta” no inicio dos anos 80- com a maré depositando a areia e formando a praia, a Praia do Português era muito pouco conhecida por causa das dificuldades de acesso. Com o passar dos anos e com as redes sociais, a pequena praia ganhou fama e cresceu muito o número de frequentadores.

 

Praia não existia

 

 

Para começar a contar essa história incrível, do homem que construiu sua própria praia no litoral norte, entrevistamos algumas pessoas que comprovam que a Praia do Português não exista antes do início da década de 80, entre elas,  um dos pescadores e mergulhadores mais antigos de Ubatuba, Jaur Carpinetti; o ex-prefeito Paulo Ramos; e, o jornalista Sérgio Moradei.

 

Segundo todos eles, Ubatuba tem mais de 100 praias e a do Português seria a  única “artificial” que existe no município. Mesmo assim, quem visita desconhece que a praia não é natural, devido a sua beleza e charme.

 

O pescador ubatubano Jaur Carpinetti, de 69 anos, conta que nos anos setenta praticava mergulho  nas encostas onde fica hoje a praia do Português, mas que naquela época não existia a praia.

 

“Era apenas uma costeira, não existia praia. Mergulhava a noite e capturava com as mãos lagostas e polvos. A praia foi “construída” com a retirada de parte da encosta”, recorda Jaur.

 

O ex-prefeito da cidade, Paulo Ramos, de 65 anos, nascido e criado em Ubatuba, também confirma que essa praia não existia até o início da década de 80. “Sou nascido e criado em Ubatuba, conheço as praias de norte a sul do município, essa praia não existia até o final dos anos 70”, afirmou.

 

Ramos que foi vereador de 82 a 88; vice-prefeito entre 88 e 92 e prefeito de 92 a 96 e novamente de 2001 a 2004 conta que Ubatuba tem hoje 106 praias, porque algumas só aparecem na maré baixa, como é o caso da praia Brava de Itamambuca.

 

“Ubatuba tem hoje 106 praias, mas algumas delas só aparecem na maré baixa, como é o caso da praia Brava de Itamambuca. A praia do Português é diferente, é artificial. Foi construída pelo dono do terreno que mandou “abrir” a costeira para ter um espaço em frente ao mar”, comentou. 

 

O jornalista Sérgio Moradei, hoje com 64 anos, que foi secretário de Comunicação da prefeitura de Ubatuba entre 1989 e 1992, na administração do prefeito José Nélio de Carvalho, conta que a praia do Português não era conhecida e nem divulgada pela prefeitura naquela época.

 

“Ninguém conhecia essa praia, que foi feita pelo veranista, dono do terreno em frente a costeira, talvez, pela dificuldade de acesso ao local. A praia ficou bastante conhecida nos últimos cinco anos devido as selfies e vídeos no Youtube postados por turistas que visitam a praia. Hoje, a praia tá bombando, é uma das mais visitadas”, disse Moradei.

 

Praia surgiu com desmonte da costeira

 

Para seu Humberto, a encosta do Félix, em Ubatuba,  lembrava em muito a região onde tinha nascido e morado na Ilha da Madeira, em Portugal

Segundo Wilson Vieira Carvalho, filho de Humberto, seu pai nasceu na Ilha da Madeira, em Portugal e veio para o Brasil com 14 anos de idade. Se estabeleceu em São Paulo, onde foi proprietário de vários comércios, entre eles, um hotel.

 

“Em 1976 percorremos o litoral norte de carro e ele decidiu comprar dois lotes nas encostas da praia do Félix, por lembrar a região onde ele tinha nascido em Portugal”, lembra Wilson, hoje com 64 anos.

 

Após a construção da casa de veraneio em 1977, Humberto decidiu abrir um espaço na costeira para ter uma pequena praia. O empresário contratou o caiçara Líncon dos Santos, que trabalhava com extração de granito na região.

 

Conseguimos localizar na cidade de Itapetinga, na Bahia, que fica a 1.780 quilômetros de Ubatuba, Líncon dos Santos, hoje, com 69 anos, que foi quem “destruiu a costeira” para surgir a praia do Português no final da década de 70.

 

Líncon é de Ubatuba e é especialista na extração de granito. Ele na época foi contratado pelo empresário português dono da área para retirar as pedras e fazer uma praia artificial para a família.

 

“A casa de veraneio já existia. Era enorme, mas não tinha acesso para a praia, apenas para a costeira. Seu Humberto me contratou para “abrir” a costeira e fazer uma praia no local”, contou.

 

Líncon era conhecido na época como um dos melhores “Cabo de Fogo” de Ubatuba e região. Ou seja, era especialista e credenciado pelo Exército para trabalhar na extração de rochas.

 

Se aprimorou, fez vários cursos e, hoje, ele é um “blaster” encarregado de organizar e conectar a distribuição e disposição dos explosivos e acessórios empregados no desmonte de rochas. Atualmente, trabalha na Bahia.

 

Segundo ele, foi um trabalho muito difícil e demorado. “Trabalhei durante um ano no local. Perfurava e cortava as rochas. Demorei tanto tempo porque só podia trabalhar durante a maré baixa. Na maré alta não tinha como trabalhar”, explicou.

 

Ele explica que, em alguns casos, a perfuração de rochas precede a inclusão de explosivos para auxiliar no processo do desmonte. Líncon, no entanto, nega ter utilizado dinamite para agilizar a retirada das rochas na praia do empresário, que mais tarde, ficaria conhecida como praia do Português.

 

Segundo ele, o proprietário teria obtido autorização da Marinha para retirar as rochas. “Naquela época não existia a necessidade de autorização ambiental ou estudo de impacto ambiental para este tipo de trabalho. Essas exigências chegaram alguns anos depois.”, contou.

 

Ele não comentou quanto recebeu pelo serviço e nem quantas toneladas de pedras foram retiradas para surgir a nova praia. Explicou que usou uma máquina pá carregadeira para retirar as pedras cortadas. “A maré foi trazendo a areia e formando a praia”, contou.

 

Segundo Wilson, o filho de Humberto, que na época tinha 19 anos e que acompanhou o desmonte da costeira,  “foram retirados cerca de 150 caminhões de pedras do local”. Ele lembra que foram usados um trator, um guincho e cabo de aço para retirada das pedras cortadas da costeira.

 

“Depois da retirada das pedras, meu pai chegou a colocar dois caminhões de areia, mas a maré levou tudo. Com o tempo, a areia foi sendo reposta pelo mar. Meu pai também plantou bromélia, gramou todo o local e colocou dois bancos feitos de pedras”, lembra Wilson.

 

Ele conta ainda que a construção da pequena praia trouxe problemas para o pai que teria sido multado e autuado pelos órgão ambientais. Segundo ele, o pai e sua mãe, dona Conceição, gostavam de cuidar das plantas do jardim da casa e as plantadas em frente a pequena praia. Hoje, a casa pertence a irmã de Wilson, Sandra Vieira Carvalho.

 

Atração

 

Praia do Português, surgiu na década de 80 após “corte” de parte da costeira. Foto: Site Curiosidades de Ubatuba

 

A praia está entre as mais visitadas da cidade, segundo o diretor de turismo de Ubatuba, Rodrigo Silva. Segundo ele,  a prainha do Félix, também conhecida como praia do Português, ficou muito conhecida nos últimos anos através das redes sociais. “As praias do Félix, das Conchas e do Português estão entre as mais atrativas de Ubatuba”, comentou Rodrigo.

 

A praia do Português recebe a cada dia mais e mais visitantes. Segundo o Centro de Informações turísticas da Prefeitura de Ubatuba, a praia esteve entre as mais procuradas da cidade no verão passado. O centro recebeu em média cerca de 150 pessoas por dia durante a temporada.

 

A praia fica aa 16 quilômetros do centro da cidade e o acesso é feito pela rodovia Rio-Santos até o Condomínio do Félix, onde os turistas deixam seus carros para irem até a praia do Português.

 

É uma praia pequena, de cerca de 25 metros de extensão e fica no lado direito da praia do Félix. A largura da faixa de areia varia de acordo com a maré. Quando a maré está rasa a praia chega ter 15 metros de areia. Na maré cheia, o espaço de areia é bem reduzido. No local, não existe quiosque ou qualquer tipo de comércio para se consumir bebidas ou alimentos.

 

O acesso até a praia do Português é feito por uma trilha de cerca de 70 metros, através da costeira, que divide as duas praias. É recomendável fazer o trajeto durante a maré baixa, pois durante a maré alta, o risco é maior, principalmente, para idosos e crianças.

 

Pela propriedade particular é proibido o acesso até a praia. O ideal é deixar o carro em um estacionamento no Félix e seguir a pé até a praia. A praia também pode ser acessada de barco.

 

A Secretaria de Turismo de Ubatuba define a praia como uma das menores de Ubatuba. A praia possui areia fina, costeiras rochosas em forma de ferradura e muitas pedras na arrebentação. Na orla, fica a entrada de uma propriedade particular, com uma rampa de acesso. Na encosta do lado esquerdo, logo na chegada, tem um jardim com trabalho de paisagismo e um banquinho para apreciar a paisagem. A praia não oferece nenhuma estrutura de turismo, hospedagem e alimentação.

 

 

Degradação preocupa

 

Apesar do acesso até o local ser feito apenas pelas encostas da praia do Félix, a praia do Português não é particular e pode ser visitada por todos. O excesso de visitantes, no entanto, tem causado preocupação aos veranistas do Félix.

 

“Meu pai nunca cuidou da praia do Português como se ela fosse de uso exclusivo da família. As pessoas não podiam e não podem acessar o local pela propriedade da família, mas a praia é pública”, explica Wilson. Segundo ele, a família pretende estabelecer algumas regras, pois o excesso de turistas tem causado danos a praia.

 

Seu Humberto e dona Conceição adoravam ficar sentados admirando a pequena praia. Fotos: Arquivos da família

 

 

“Já danificaram os bancos de pedra feitos por meu pai, retiram plantas e deixam muito lixo, inclusive, na costeira. A cada domingo retiro em média dois sacos de lixo, cada um com 100 litros, de latinhas, plásticos e coisas que abandonam na praia e na costeira.  Se a gente não criar algumas regras, logo, logo a praia ficará inviável”, lamenta Wilson.

 

Como a praia não possui quiosques para venda de alimentos e bebidas, alguns barqueiros aproveitam para oferecer esses produtos aos visitantes. ” Não tem espaço suficiente na areia da praia para instalar um quiosque. Na faixa de areia queremos limitar também o uso de guarda sóis e barracas, pois o espaço é muito reduzido”, explica Wilson.

 

A presidente da Sociedade Amigos da Praia do Félix, Sílvia Chile, confirma que a praia vizinha ao loteamento vem sendo cada vez mais procurada por turistas.  Segundo ela, até passeios de lanchas e escunas vem sendo explorados no local e a quantidade de lixo retirada da praia nos fins de semana, aumenta cada vez mais.

 

 

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