Trabalho infantil nas praias de Caraguatatuba viola os direitos da criança e do adolescente

 

Crianças e adolescentes da Bahia foram atraídas para trabalharem como ambulantes nas praias de Caraguatatuba, no Litoral Norte Paulista, durante a temporada de verão. Este tipo de atividade nas praias, envolvendo crianças e adolescentes de 11 até 15 anos, é caracterizado como trabalho infantil e contraria a legislação, mas passa despercebida  pelos órgãos que compõem a rede de proteção à criança e ao adolescente.

 

O Notícia das Praias pesquisou o assunto durante cerca de um mês. Conversou com crianças de 11 anos e adolescentes de 14 e 15 anos, que vieram da cidade de Cipó, na Bahia, entre outubro e novembro, deixando as salas de aula em suas cidades , para trabalharem como vendedores de cangas e copos térmicos nas praias de Caraguatatuba Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, mesmo que as crianças e adolescentes, estejam acompanhadas dos pais, trata-se de trabalho infantil.

 

Moradores de Cipó, na Bahia, viajaram mais de 2 mil quilômetros para trabalharem como ambulantes nas praias do Litoral Norte Paulista

 

Em Caraguatatuba, a maioria das crianças e dos adolescentes que trabalha nas praias desde o final de novembro, veio da cidade de Cipó, na Bahia, cidadezinha que fica no sertão baiano, a 206 quilômetros de Salvador e tem cerca de 17 mil habitantes. Adultos, adolescentes e crianças percorreram mais de 2 mil quilômetros de distância para trabalharem durante o verão nas praias de Caraguatatuba.

 

Segundo consta, cerca de 120 “cipoenses” foram atraídos por um “comerciante” para trabalharem como ambulantes nas praias da cidade durante o verão. A “contratação” dos cipoenses para trabalhar nas praias de Caraguatatuba na temporada de férias, segundo os ambulantes, teve início na temporada de 2022. Nenhum deles possui carteira assinada ou qualquer tipo de contrato de trabalho assinado.

 

Não dá para saber direito quem custeou as passagens, se o transporte ficou por conta do “comerciante” ou dos cipoenses. De ônibus, são mais de 48 horas de viagem entre Cipó e Caraguatatuba. Cerca de 100 pessoas entre elas, crianças e adolescentes, chegaram de lá, em outubro e novembro. Estão alojados em casas no bairro da Casa Branca.

 

Recebem alojamento de graça, mas custeiam os gastos com alimentação e outras despesas, a partir da venda de “cangas” e outros produtos como copos térmicos. Praticamente, nenhum deles possui alvará da prefeitura para trabalhar nas praias de Caraguatatuba. Alguns deles, se aventuram em vender seus produtos em praias de Ubatuba. Se a fiscalização apreender os produtos, são obrigados a reporem em dinheiro ao intermediário o que  foi apreendido.

 

Criança

 

“J”, de apenas 11 anos, disse que veio acompanhado do pai, seu “P.B.G.”. Ele interrompeu os estudos em novembro para viajar até Caraguatatuba. O menino percorre diariamente a praia Martim de Sá, uma das mais frequentadas de Caraguatatuba, das 8 até as 17 horas, de segunda a segunda. Contou que recebe a canga por cerca de R$ 25,00 e vende por até R$ 50,00 cada. Tem dias que vende de 10 a 20 unidades.

 

O menino conta que toma o café da manhã na casa ou na padaria e para almoçar compra uma quentinha e na janta, come um sanduiche.  Disse que gasta em média cerca de R$ 40,00 a R$ 50,00 diariamente com alimentação.

 

M.S., de 15 anos, conta que três ônibus da empresa Biturismo deixou Cipó(BA) em outubro em direção até Caraguatatuba(SP). Segundo ele, um tal de “C” teria bancado a passagem de todos eles até Caraguatatuba. O adolescente disse que viajou acompanhado pelo pai.

 

“M”, de 15 anos, trabalha como ambulante para ajudar o pai a comprar um carro

 

Ele conta que em dias de boas vendas chega a faturar “limpo” R$ 150,00. Com o dinheiro custeia suas despesas com alimentação. O alojamento, segundo ele, é por conta do tal de “C”.  O adolescente disse que estuda lá em Cipó, mas faltou as aulas em outubro e novembro e só deve retornar a escola após o carnaval quando retornar de Caraguatatuba.

 

M.S disse que seu sonho é ser jogador de futebol. Ele é flamenguista roxo. Seu ídolo é o jogador português Cristiano Ronaldo. Ele contou que com o dinheiro que ganhar no verão pretende ajudar o pai a comprar um carro.

 

“L.S.”, de 14 anos, também veio de Cipó, na Bahia. Ele contou que a passagem custou R$ 480,00 e a viagem durou dois dias e meio. Disse que seus pais deram autorização para ele viajar até Caraguatatuba.

 

 

Segundo o menino, nenhum deles possui alvará para vender as cangas nas praias de Caraguatatuba. Caso a fiscalização apreenda os produtos, eles são obrigados repor o dinheiro das peças apreendidas para o fornecedor.

 

“T”, de 41 anos e duas filhas, também veio de Cipó, na Bahia. Ela vende copos térmicos nas praias de Caraguatatuba. Segundo ela, a vida é difícil em Cipó onde a maioria das pessoas trabalha na lavoura ou na produção de redes, estandes e cortinas.

 

 

Segundo ela, o marido ” L”, também está em Caraguatatuba. Ela contou que nas praias da Bahia os produtos como a canga, por exemplo, não tem tanta saída e que nas praias de São Paulo o lucro é bem maior, apesar das despesas com transporte e alimentação.

 

Prefeituras

 

A prefeitura de Ubatuba, informou que a Secretaria de Fazenda e Planejamento, mantém equipes de fiscalização para verificar a regularidade dos comércios, sejam estes nas praias ou não. Com relação a trabalho infantil nas praias, a prefeitura informou que até o momento não houve nenhuma ocorrência neste sentido, porém, a pasta informa que caso ocorra, serão tomadas as medidas cabíveis junto ao Conselho Tutelar.

 

A assessoria de imprensa da Prefeitura de Caraguatatuba não se manifestou sobre a situação do cipoenses trazidos para trabalhar como ambulantes nas praias de Caraguatatuba e, nem, do trabalho infantil nas praias. A Secretaria de Comunicação da Prefeitura  foi procurada por duas vez vezes por e-mail. Nos dias 8 e 10 de fevereiro, mas não houve retorno das informações solicitadas.

 

No dia 14 de fevereiro, a assessoria divulgou um release informando que a prefeitura, o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente(CMDCA) e  Conselho Tutelar aderiram a campanha de Proteção a Crianças e Adolescentes no Carnaval 2023. Segundo o release, o CMDCA e o Conselho Tutelar farão orientações, alertas e fiscalização para entre outras ações “combater o trabalho infantil ” durante o carnaval.

 

Ministério do Trabalho

 

O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) respondeu ao questionamentos feitos pelo Notícias das Praias. Segundo o Ministério do Trabalho, a idade mínima para o trabalho no Brasil é 16 anos, conforme prevê o art. 7°, XXXIII, da Constituição Federal. Entretanto, o adolescente a partir dos 14 anos pode trabalhar como aprendiz, desde que observada a legislação que regulamenta a aprendizagem profissional.

 

Os adolescentes de 16 e 17 anos podem trabalhar, mas com restrições. O trabalho não pode ser insalubre, perigoso, noturno, penoso ou prejudicial à moralidade. Além disso, é vedada a realização de trabalhos que causem prejuízos ao desenvolvimento físico, psíquico, moral e social e em horários e locais que não permitam a frequência à escola, bem como trabalhos elencados na Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP).

 

Para a caracterização do trabalho infantil independe da criança ou do adolescente exercer o trabalho sozinho, com a família ou sob a exploração de um terceiro. Também não importa se é uma atividade econômica ou de sobrevivência, ou se existe ou não uma finalidade de lucro.

 

Praias

 

O trabalho infantil, incluindo o realizado nas praias, trata-se de uma violação aos direitos da criança e do adolescente. As praias brasileiras, de um modo geral, são locais em que, especialmente na temporada de verão, podem ocorrer situações de trabalho infantil em atividades informais como o comércio ambulante de alimentos e bebidas e o aluguel de cadeiras de praia, guarda-sol, equipamentos para esporte e recreação, entre outros. Estes trabalhos muitas vezes são realizados por crianças e adolescentes em regime familiar de trabalho, ou seja, juntamente com os seus pais ou responsáveis legais.

 

Dentro deste contexto, todos os órgãos que compõe a rede de proteção à criança e ao adolescente, dentro da sua esfera de competência, devem se envolver para coibir este tipo de violação, incluindo-se aí órgãos municipais, estaduais e federais.

 

A Inspeção do Trabalho do MTE realiza ações voltadas para a erradicação do trabalho infantil, entre as quais a fiscalização para identificação de exploradores do trabalho infantil e retirada de crianças e adolescentes desta situação, bem como a orientação e sensibilização empregadores, trabalhadores e sociedade em geral a respeito do trabalho infantil e da legislação sobre a matéria.

 

Desde 2022, o MTE realiza a campanha, “Diga Não ao Trabalho Infantil nas Praias”, que conta com materiais orientativos sobre o trabalho infantil nas praias, suas consequências e canais para denúncia. A Campanha busca orientar e sensibilizar a população em geral sobre a questão do trabalho infantil nas praias.

 

Para as ações de fiscalização, a Secretaria de Inspeção do Trabalho conta com um canal específico e direito para denúncias sobre trabalho infantil que pode ser acessado por meio do link: https://ipetrabalhoinfantil.trabalho.gov.br/ Outro canal de denúncias também disponibilizado pelo Governo Federal é o Disque Direitos Humanos, Disque 100, para denúncias por telefone.

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