Conselho de Cultura volta a discutir tombamento da Fazenda dos Ingleses em Caraguatatuba

Por Raquel Salgado

O Conselho Municipal de Políticas Culturais de Caraguatatuba – CMPCC, se reúne extraordinariamente nesta quarta-feira(27), às 18h30, para discutir o tombamento de dois núcleos históricos da antiga Fazenda dos Ingleses e a criação de um Fundo Municipal de Cultura.

A proposta para o tombamento da Fazenda dos Ingleses, hoje conhecida como Fazenda Serramar,  foi apresentada pelo arqueólogo e turismólogo Clayton Galdino, que a justifica pela “importância histórica, memorial e afetiva relacionada às trajetórias econômicas, urbanas e sociais de Caraguatatuba e região”.

Galdino cita ainda “as potencialidades educacionais, artísticas e econômicas do uso adequado destes testemunhos, em especial no turismo, lazer, habitação e equipamentos culturais e artísticos”. Por fim, alerta para “o risco de perda definitiva deste patrimônio pelo abandono, arruinamento e impactos deliberados que porventura possam existir”.

O primeiro pedido de tombamento da fazenda foi feito em 1992, junto ao Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo – CONDEPHAAT, pelos vereadores Ilson Vitório, de Caraguatatuba; e João Siqueira, de São Sebastião. A proposta foi rejeitada porque o conjunto tinha interesse “apenas regional” e não estadual…

Ingleses

Uma das três maiores fazendas do gênero na América Latina, a Fazenda dos Ingleses (1927 a 39) tinha quatro mil alqueires de terras na grande planície entre Caraguatatuba e São Sebastião.

Em seu auge, 1930, cultivava quatro milhões de pés de banana e laranja, exportados diretamente para Londres em navios ingleses que fundeavam no Canal de São Sebastião.

Em seu interior, 120 quilômetros de linhas férreas escoavam a produção até o cais no Rio Juqueriquerê, onde era embarcada em chatões e levada para embarque nos navios.

O empreendimento atraiu mão de obra de toda a região, desde Angra dos Reis até Santos, incluindo Paraibuna. Eram quatro mil trabalhadores residentes. Provocou aumento da população, dos meios de comunicação, incremento ao comércio, e aumento das receitas municipal, estadual e federal. E colocou Caraguatatuba no mapa das exportações brasileiras.

A fazenda possuía quadras de tênis, campos de golfe e polo, cinema, e promovia campeonatos de futebol que reuniam até trinta times.
A decadência veio com a 2a. Guerra Mundial (1939/45), e com a catástrofe de 18 de março de 1967, quando uma tromba d’água na serra soterrou as plantações e quase destruiu Caraguatatuba, provocando a morte de mais de três mil pessoas.

Na década de 90 ela foi comprada pelo grupo Serveng, que lá instalou a Serramar, projeto pecuário de alta tecnologia. Hoje abriga também o parque de tancagem de gás da Petrobrás, shopping Serramar e o Hospital Regional.

Dois núcleos

O tombamento abrange dois núcleos. O primeiro ao lado da escola estadual e da rodovia, que deu ao bairro o nome de Porto Novo: casas da vila de trabalhadores, dos chefes, galpões, cais de 100 m do porto no Juqueriquerê, e área de vegetação e mangue – único núcleo abrangido pelo pedido de tombamento anterior.

Ali existem nichos de vegetação que poderão se transformar num parque municipal e casas em diferentes graus de preservação.
O segundo núcleo está dentro da Serramar. Na época não esteve na rotina da comunidade, mas foi palco de eventos culturais. Era a antiga área residencial dos ingleses, hoje conhecida como “castelinho”, localizada no alto de um morro, bem em frente a entrada da fazenda. Inclui o trecho de estrada que permite o acesso ao morro.

Considerados sítios arqueológicos, ambos estão também com pedido de cadastramento junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Arqueológico Nacional – IPHAN.

Tombamento

Com apoio da Associação Caiçara do Juqueriquerê – ACAJU, entidade que atua em rede com várias ongs locais, a proposta de tombamento foi protocolada e vem sendo discutida no Conselho desde dezembro passado.

A Serramar, notificada desde o início, participa das discussões desde a última reunião do Conselho. A empresa parece sensível à sua importância histórica pois patrocinou em 2012 livro e documentário sobre o assunto: “Grape Fruit com Banana”. Trabalho da historiadora Glória Kok.

“O tombamento não exclui a propriedade das áreas, apenas indica usos compatíveis com a preservação da memória. Prevê o restauro da fachada das construções e manutenção de sua volumetria, permite novas edificações desde que sigam estas normas, abertura das ruas internas – antes Rua do Porto, Rua dos Maritimos… – para que sejam novamente integradas ao bairro”, explica Galdino.

“Os dois núcleos possuem alto potencial turístico, econômico e cultural. A preocupação é preservar seu aspecto paisagístico, arquitetônico e histórico”, diz ele.

Inserido entre bairros carentes de estrutura urbana de lazer, serão salas de aula a céu aberto, centro cultural, apoio ao turismo náutico, aos pescadores locais e à pesca esportiva.

O protocolo do tombamento prevê a proteção preliminar das áreas. Prefeitura e Fundação Cultural – FUNDACC foram notificadas para providências de fiscalização e fomento.

A preservação de todo este patrimônio também está prevista no Plano Municipal de Cultura até 2027, ano do centenário da antiga Fazenda dos Ingleses, quando o município tem que dar um destino público a estas áreas.

Patrimônio imaterial

Trata-se de um conjunto de várias manifestações intangíveis, como os ofícios das comunidades tradicionais, caiçaras, indígenas e quilombolas, festas religiosas, até receitas culinárias.

No caso da Fazenda dos Ingleses, objeto de vários livros já publicados, sua enorme influência ainda hoje permeia a cultura local. A poucas décadas, um jardineiro da região, analfabeto, referia-se a lanterna como “flash light”; e ao castelinho como “masters”, a residência dos chefes ingleses…ele havia crescido na fazenda…

“Trata-se de um anseio da comunidade e tem forte apelo emocional. O tombamento traduz o sentimento de muita gente, moradores, ex funcionários, seus filhos e netos”, diz Clayton Galdino, ele próprio neto de um antigo trabalhador da fazenda.

“Este é um processo democrático e o tombamento é apenas o primeiro passo. Nossa expectativa é que a partir dele se instale um diálogo constante entre a Serramar e a comunidade quanto aos usos da área”. “Que a Serramar olhe para a História de Caraguatatuba”, finaliza.

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